sábado, 10 de agosto de 2013

A metafísica do Admirável Mundo Novo



O livro O admirável mundo novo conta uma história de ficção científica em que a sociedade se divide em classes sociais pré-estabelecidas geneticamente. A engenharia genética é tão extrema que as pessoas já nascem predispostas a gostar das determinações de seu grupo social. Isso além do extremo condicionamento por que passam as crianças e os jovens, para que não queiram nunca reivindicar nada além do que lhes é permitido dentro de sua “casta”. Quem nasce para trabalhar nas fábricas é modificado geneticamente para ser incapaz e condicionado a gostar de suas tarefas. A droga “soma” traz o alívio e a felicidade alienantes de que as pessoas precisam para não pensar profundamente na vida e nas bases constitutivas da sociedade.

Há inúmeras leituras possíveis desta grande obra. Podemos discutir as consequências e a ética da engenharia genética, da manipulação de embriões, do condicionamento por que passamos por meio da mídia e da cultura, da estrutura social em que vivemos e das nossas fugas da realidade. No entanto, quero discutir o aspecto metafísico da concepção de ser humano que a obra traz.

O que é o ser humano? Existe uma essência humana? Há vários posicionamentos sobre essas perguntas. Segundo Platão, o ser humano, assim como todas as outras classes de seres, tem uma essência que lhe dá a “forma” de ser humano. Essa essência existiria no Mundo das Ideias, antes de a pessoa nascer. O demiurgo (espécie de deus/organizador platônico dos entes) daria forma à matéria através da contemplação desses arquétipos/essências. Já o existencialismo afirma que “a existência precede a essência”, ou seja, somos nós que escolhemos o que queremos ser, como reagimos ao mundo à nossa volta. O passado não nos determina: sempre posso mudar e o futuro está em aberto. Não existe uma essência humana; nós nos construímos a nós mesmos. Em semelhança à teoria de Platão, as principais religiões monoteístas defendem a ideia de que temos um destino – tudo é providência divina. E o que o mundo geneticamente predeterminado de Aldous Huxley quer criticar nesse aspecto?

O ideal de manipulação das massas é que as pessoas tenham essências pré-determinadas e que seu condicionamento as leve a crer que estão tendo a melhor vida possível. Levando esse conceito ao máximo, Huxley problematiza a nossa ideia do que nos forma. Engenharia genética + condicionamento equivale, hoje em dia, às nossas características e inclinações inatas + condicionamento religioso/midiático/cultural.  Temos uma essência determinada ou podemos mudar? Na obra de Huxley, há uma ilha destinada a quem questiona demais e não se adapta à ideologia da sociedade no Mundo Novo. A intenção dos “soberanos” é que as pessoas sejam determinadas a cumprir seus papeis de modo a não alterar a estrutura da sociedade. O mundo é dado assim como é - e é bom. E o que fazer com quem se destaca e pensa por conta própria? São mandados para uma ilha para não contaminar os outros. O ser humano é um animal social, como disse Aristóteles. O poder de uma ideia, de um questionamento, de uma semente diferente da que é sempre plantada em nossa mente pode levar a modificações no ethos de uma cultura.

O que concluir da tremenda ilustração que a história de Huxley nos traz? A minha interpretação tem um viés mais existencialista. Penso que, apesar de que nascemos com algumas características e em determinada cultura e família (o que Sartre chama de facticidade), nós somos livres para construir nossa própria existência e para escolher como reagir ao que nos acontece. Os homens do Admirável Mundo Novo nascem quase que completamente determinados e crescem condicionados, mas, mesmo assim, alguns conseguem se libertar das garras da sociedade em que vivem. Nós temos o mesmo “poder”. Não é fácil, mas é possível que cada um de nós crie para si um admirável mundo novo.

Aqui vai o link para uma ótima análise do livro, do amigo Alfredo Carneiro: http://www.netmundi.org/pensamentos/2013/01/3502/


-Anita Morgensztern-

2 comentários: