O livro O admirável mundo novo conta uma
história de ficção científica em que a sociedade se divide em classes sociais
pré-estabelecidas geneticamente. A engenharia genética é tão extrema que as
pessoas já nascem predispostas a gostar das determinações de seu grupo social.
Isso além do extremo condicionamento por que passam as crianças e os jovens,
para que não queiram nunca reivindicar nada além do que lhes é permitido dentro
de sua “casta”. Quem nasce para trabalhar nas fábricas é modificado
geneticamente para ser incapaz e condicionado a gostar de suas tarefas. A droga
“soma” traz o alívio e a felicidade alienantes de que as pessoas precisam para
não pensar profundamente na vida e nas bases constitutivas da sociedade.
Há inúmeras
leituras possíveis desta grande obra. Podemos discutir as consequências e a
ética da engenharia genética, da manipulação de embriões, do condicionamento
por que passamos por meio da mídia e da cultura, da estrutura social em que
vivemos e das nossas fugas da realidade. No entanto, quero discutir o aspecto
metafísico da concepção de ser humano que a obra traz.
O que é o ser
humano? Existe uma essência humana? Há vários posicionamentos sobre essas
perguntas. Segundo Platão, o ser humano, assim como todas as outras classes de
seres, tem uma essência que lhe dá a “forma” de ser humano. Essa essência
existiria no Mundo das Ideias, antes de a pessoa nascer. O demiurgo (espécie de
deus/organizador platônico dos entes) daria forma à matéria através da contemplação
desses arquétipos/essências. Já o existencialismo afirma que “a existência
precede a essência”, ou seja, somos nós que escolhemos o que queremos ser, como
reagimos ao mundo à nossa volta. O passado não nos determina: sempre posso
mudar e o futuro está em aberto. Não existe uma essência humana; nós nos
construímos a nós mesmos. Em semelhança à teoria de Platão, as principais
religiões monoteístas defendem a ideia de que temos um destino – tudo é
providência divina. E o que o mundo geneticamente predeterminado de Aldous Huxley
quer criticar nesse aspecto?
O ideal de
manipulação das massas é que as pessoas tenham essências pré-determinadas e que
seu condicionamento as leve a crer que estão tendo a melhor vida possível. Levando
esse conceito ao máximo, Huxley problematiza a nossa ideia do que nos forma.
Engenharia genética + condicionamento equivale, hoje em dia, às nossas
características e inclinações inatas + condicionamento religioso/midiático/cultural.
Temos uma essência determinada ou podemos
mudar? Na obra de Huxley, há uma ilha destinada a quem questiona demais e não
se adapta à ideologia da sociedade no Mundo Novo. A intenção dos “soberanos” é
que as pessoas sejam determinadas a cumprir seus papeis de modo a não alterar a
estrutura da sociedade. O mundo é dado assim como é - e é bom. E o que fazer
com quem se destaca e pensa por conta própria? São mandados para uma ilha para
não contaminar os outros. O ser humano é um animal social, como disse
Aristóteles. O poder de uma ideia, de um questionamento, de uma semente
diferente da que é sempre plantada em nossa mente pode levar a modificações no
ethos de uma cultura.
O que concluir
da tremenda ilustração que a história de Huxley nos traz? A minha interpretação
tem um viés mais existencialista. Penso que, apesar de que nascemos com algumas
características e em determinada cultura e família (o que Sartre chama de
facticidade), nós somos livres para construir nossa própria existência e para
escolher como reagir ao que nos acontece. Os homens do Admirável Mundo Novo
nascem quase que completamente determinados e crescem condicionados, mas, mesmo
assim, alguns conseguem se libertar das garras da sociedade em que vivem. Nós
temos o mesmo “poder”. Não é fácil, mas é possível que cada um de nós crie para
si um admirável mundo novo.
Aqui vai o link para uma ótima análise do livro, do amigo Alfredo Carneiro: http://www.netmundi.org/pensamentos/2013/01/3502/
-Anita
Morgensztern-