sábado, 28 de dezembro de 2013

Breaking Bad


O seriado Americano Breaking Bad é viciante. Tão viciante quanto a metanfetamina produzida pelos personagens principais, Walter White e Jesse Pinkman.
A história é a seguinte: Walter White, professor de química, descobre que tem câncer de pulmão e pouco tempo de vida. Para pagar seu tratamento e deixar a família em boas condições após sua morte, ele decide usar seus conhecimentos para “cozinhar” uma das drogas mais destrutivas que existem:  metanfetamina. A metanfetamina é produzida em laboratório e é necessário alguém que entenda do assunto para que se faça um produto puro. Walter é o que pode se chamar de iron-chef nessa área – consegue fabricar a droga mais pura do mundo.

O problema é que Walter entra em um mundo de tráfico, cartel, territórios demarcados e disputas, em que a vida humana não tem mais valor que o mercado das drogas. Ao longo do seriado, Walt se vê em situações de extremo risco, e decisões éticas começam a fazer parte de seu dia-a-dia. No início, as situações são predominantemente de defesa. É matar ou morrer. Até aqui “tudo bem”. Ocorre que Walt e Jesse vão se envolvendo cada vez mais a fundo. Walt se cura do câncer, tem dinheiro suficiente para viver bem o resto da vida, mas decide continuar no negócio. Por quê? Orgulho? Ganância? Reconhecimento de sua genialidade como o fabricante da única metanfetamina com 99% de pureza? É o que vamos descobrindo nesse personagem, que, como todos nós, tem muitas “camadas” subjetivas a serem reveladas. Esse seriado provoca alguns questionamentos:

Por que Walter e Jesse seriam diferentes dos outros traficantes e assassinos?
O que faz com que o público simpatize e torça por esses personagens? Afinal, eles não comercializam drogas e cometem assassinatos? Penso que talvez seja por eles demonstrarem sentimento, o “outro lado” que todo (ou quase todo) ser humano tem. Por mais que estejam participando e alimentando um mercado violento, ilegal e prejudicial a muita gente, Walt é um pai amoroso e faz o que pode para proteger a família. O personagem mostra os extremos que, em um certo nível, todos compartilhamos; ele é capaz de matar um inimigo, ir para a casa e pegar carinhosamente a filha bebê no colo. Já seu parceiro Jesse tem uma história de vício. Era o pobre menino rico expulso de casa por se envolver com drogas. Mas isso justifica suas ações? Não, mas cria uma conexão entre eles e o público, uma identificação que faz com que nós não queiramos que nada de mal lhes aconteça. Torcemos por Walt e Jesse, mesmo que eles tenham matado a sangue frio um inocente que poderia causar, sem saber, a morte de Walt. Todos temos um pouco de Walt. Nos identificamos com seu antigo trabalho maçante e mal pago, com sua falta de recursos, falta de reconhecimento. Walter passa o seriado inteiro afirmando que faz o que faz pela família. “Quando a gente faz o que faz por bons motivos, não temos com o que nos preocupar, e não há melhor motivo do que a família”. No último capítulo, ele diz: “Fiz o que fiz por mim mesmo. Eu era o melhor, nunca me senti tão vivo.” 

Será que nós, na situação de Walt, agiríamos da mesma maneira? Os fins justificam os meios? Heiddeger afirma que somos seres-para-a-morte. Ou seja, somos finitos, e o enfrentamento com nossa finitude nos causa angústia. Como saber o que se passa na cabeça de alguém como Walt, tendo encarado a morte tão de perto? Essa pergunta me leva ao próximo questionamento:
Quem toma responsabilidade pelo que Walter e Jesse estão fazendo? As circunstâncias do câncer tirariam a culpa de Walt? Por que Walt decidiu continuar depois de estar “curado”?
Segundo Sartre, o homem é responsável por aquilo que faz de si mesmo. “É um projeto que se vive a si mesmo subjetivamente”. Isso implica uma extrema responsabilidade individual. Somos completamente responsáveis pelos nossos atos, até mesmo na mais difícil circunstância. Temos sempre a liberdade de escolher como agir e reagir ao mundo que nos cerca. Para exaltar essa questão, Walt tinha, no início da primeira temporada, a possibilidade de aceitar que um amigo pagasse seu tratamento contra o câncer. Apesar de uma rivalidade antiga entre os dois, Walter tinha a opção de não fabricar metanfetamina. Para o existencialismo, Walter é completamente responsável por ter entrado e continuado no mundo do crime, não importando se suas justificativas são comoventes ou não. O homem, segundo o existencialismo, está constantemente se projetando e se superando, numa relação de transcendência quanto aos seus objetivos. Walt fez a escolha de começar e depois escolheu continuar. Se fizermos uma classificação maniqueísta, seria ele uma pessoa boa ou ruim? Ou seria ele uma pessoa boa que ficou ruim? Somos aquilo que fazemos, nossos atos nos definem... talvez, segundo o existencialismo, Walt não seja diferente dos bandidos do cartel mexicano, ou de Gustavo, o chefão do esquema de produção e distribuição de metanfetamina nos Estados Unidos.

Em uma entrevista a um programa de televisão, o criador da série, Vince Gilligan, disse que a intenção era que o público acompanhasse a transformação de Walt, de homem “bom” a scarface. O pano de fundo da história é uma forte metáfora: química, a ciência da mudança. E essa transformação do personagem é belamente executada ao longo do seriado. Será que alguém que encara a morte e a violência todos os dias acaba se tornando imune ao horror? A primeira decisão macabra de Walt ocorre quando ele assiste a alguém morrer sem tentar salvar a vida da vítima. Aos poucos, Walt começa a comandar assassinatos, sempre com suas racionalizações de por que os crimes tinham de ser cometidos. No entanto, na minha opinião, pode-se fazer uma relação entre esse tipo de justificativa e o conceito de banalidade do mal, de Hannah Arendt. A banalidade do mal, segundo a filósofa, não significa que estamos acostumados ao mal e ele se torna banal. Significa que se procurarmos razões bem justificadas para o mal, não as encontramos. E é isso que deixa Jesse, no final da série, maluco com a culpa que sente por todos os crimes praticados em nome do “negócio” e para “salvar” a vida dele e a de Walt.  
Breaking Bad é sem sombra de dúvidas uma das séries mais bem escritas dos últimos tempos. Cada episódio rende uma redação, seja sobre o aspecto psicológico dos personagens, a filosofia por trás da história ou o roteiro genial de suspense que dá vida à trama. Vale a pena assistir aos 63 episódios. Para quem gosta do gênero, dificilmente encontraremos um programa tão bem bolado. É viciante desde a primeira cena.

-Anita Morgensztern-

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

À espera do futuro




O ser humano tem algumas inclinações naturais. Podemos falar de uma natureza humana? Não sabemos ao certo, é um problema que permeia o diálogo filosófico desde a era pré-socrática. Mas podemos, sim, dizer que experimentamos a vida como seres humanos, e que nós, em geral, temos algumas características que nos fazem humanos.

Kant afirmou que o homem tem uma inclinação natural à metafísica. Isso quer dizer que sempre buscamos algo a mais, uma explicação além do material, uma estrutura para entendermos a nós mesmos e ao mundo que nos cerca. Essa busca também pode ser interpretada como uma busca por um sentido, por um propósito. Por que trabalhamos? Por que fizemos as escolhas que fizemos? Por que existimos onde existimos? O ser humano é a única criatura capaz de questionar a própria existência e de não se sentir completo sem que haja um sentido para ela.

Segue-se dessas características que o homem está sempre querendo prever o que vai lhe acontecer. Não seria talvez por querer se sentir seguro, por ter medo do desconhecido? Penso que não é só isso. Querer saber do futuro faz parte da nossa característica humana de buscar um sentido para a vida em geral e para a nossa vida em particular. Quem está perdido, quem não encontrou seu caminho, quem vive uma decepção ou algum tipo de prisão, se consola e se conforta em tentar “solidificar” o futuro, querer estabelecer como serão os próximos anos. Já a reificação negativa, esperar que aconteça o pior e se conformar com isso de antemão, talvez seja uma defesa da pessoa que está cansada de sofrer, que não quer mais se decepcionar. Pensando assim, o que vier e for diferente do previsto é lucro.

O que seria, então, ideal sobre as nossas expectativas com relação ao futuro? Gosto do caminho da virtude de Aristóteles, o caminho do meio (ou o equilíbrio das filosofias chinesas).  Não é bom pensar demais e nem pensar de menos sobre o futuro. Não precisamos reificar de maneira positiva demais e nem de maneira negativa demais. Ou quiçá o melhor a fazer seja seguir o conselho de Nietzsche: “Aprecio a ignorância com relação ao futuro, não quero morrer de impaciência ou alegria antecipada à espera das coisas prometidas.”

-Anita Morgensztern


quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O sentido da vida (trecho de Viktor Frankl)


"Chegamos ao terceiro princípio básico: após discutir o livre-arbítrio e a vontade de sentido, o sentido em si é agora o problema. Bem, nenhum logoterapeuta “prescreve” um sentido, mas pode muito bem “descrevê-lo”. Quero dizer que pode fazê-lo de maneira puramente descritiva, apenas descrevendo o modo como o homem realmente existe, ou de forma fenomenológica, ampliando o campo visual do paciente com relação a sentidos e valores, tornando-os aparentes, por assim dizer. No caminho de uma percepção crescente, finalmente pode-se perceber que a vida não deixa de guardar e ter um sentido até o último momento. Isto porque, como nos permite uma análise fenomenológica, não apenas o homem encontra sentido em sua vida por meio de suas ações, seus trabalhos e sua criatividade, como também por meio de suas experiências, do encontro com o que é verdadeiro, bom e belo no mundo. E por último, mas não menos importante, por meio de seu encontro com o Outro, um ser humano em sua singularidade. Compreender outra pessoa em sua singularidade significa amá-la; mas mesmo em uma situação na qual o homem não dispõe de criatividade e receptividade, ele ainda assim pode cumprir um sentido em sua vida, pois justamente ao encarar tal destino, quando confrontado com uma situação impossível – exatamente então lhe é dada a oportunidade de realizar um sentido; não apenas isto, como também de compreender o mais alto valor, até o mais profundo sentido do sofrimento. Não é preciso dizer que o sofrimento só pode ser significativo se a situação for imutável – caso contrário não estaríamos lidando com heroísmo, mas sim com masoquismo."

-Trecho de um ensaio de Viktor Frankl traduzido por mim


-Anita Morgensztern-

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Nota sobre a transvaloração de todos os valores



A transvaloração é uma questão ética complicada. O Ethos pode ser encarado como um movimento circular, em que há a cultura e os valores passados como herança, mantidos pelas novas gerações que, além de os manter também os questionam, o que provoca mudanças que serão depois passadas como herança, iniciando-se outro ciclo de propagação, manutenção e mudança do ethos. Nós sabemos que os valores culturais têm mudado muito de geração em geração, mas uma transvaloração de todos os valores me parece uma vontade de mudança muito abrupta no ciclo natural que as culturas seguem. No entanto, acho que ela já está ocorrendo, gradualmente, em certos sentidos. Entendo essa transvaloração como um guia teleológico de como devemos nos ver em relação à vida. Me parece mais uma mudança de atitude, que, claro, envolve valores enraizados na cultura ocidental há milênios.  Para Nietzsche, o homem moderno perdeu o contato consigo mesmo, com seus instintos, com a vida em si, valorizando atributos de fraqueza, “coitadice”, transformando instintos naturais em fonte de sofrimento, medo, enaltecendo a martírio, o castigo, a purificação. É essa mudança “mental” que, segundo entendo, precisamos fazer para não nos esquecermos da vida e para que sejamos senhores de nós mesmos.  

-Anita-

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Nietzche

“São para mim desagradáveis as pessoas nas quais todo pendor natural se transforma em doença, em algo deformante e ignominioso – elas nos induziram a crer que os pendores e impulsos do ser humano são maus; elas são a causa de  nossa grande injustiça para com nossa natureza.”