quinta-feira, 1 de agosto de 2013

A consolação da filosofia


Falo um pouco sobre Boécio e A consolação da filosofia (uma ideia geral de um texto tão rico...).
Boécio, pelo grande exemplo que pude ler em Consolação, foi, dentre muitas coisas, um mestre na “arte” de tentar reunir razão e fé. Por meio de uma maiêutica socrática, em que a filosofia faz o “papel” de Diotima (aquela que conversa com Sócrates e lhe explica o que é o amor em O Banquete) e traz à luz o raciocínio lógico que deve nos levar a entender questões pungentes como a existência do mal e de D’us, a Fortuna em contradição com a Providência Divina, a verdadeira felicidade, a impunidade dos maus, o sofrimento dos bons etc. Podemos comparar seu descobrimento filosófico com a o Mito da Caverna de Platão. É por meio da conversa com a Filosofia que Boécio de desvencilha das noções superficiais que o homem tem sobre a felicidade, os verdadeiros bens, a Fortuna e Deus, e passa a compreender o que para ele é o verdadeiro saber, o conhecimento mais profundo da realidade deste mundo. Seguindo uma linha que a princípio parece até ter influências das escolas helênicas, a filosofia lhe explica que as verdadeiras felicidades não são os prazeres do corpo nem os bens materiais que ele possuía. Depois de perder tudo e estar na prisão à espera da morte, Boécio entende que não perdeu nada que tenha valor real.

 Boécio nos descreve sua conversa com a Filosofia de maneira clara, com argumentos encadeados didaticamente, usando os meios filosóficos para a transformação do olhar que temos sobre a vida. É como a iluminação da graça, mas com argumentos da filosofia.

Uma das questões principais para ele, e por motivos óbvios, é a da desgraça imerecida. E respondendo a essa questão, a Filosofia vai fazê-lo ver o que é aparência ilusória e o que é a realidade, a verdade de Deus. É uma questão latente e contemporânea, que faz a Consolação ser assustadoramente atual. Por que os bons sofrem tanto? Por que Deus deixa que pessoas más estraguem a vida dos bons? Como pode, se me permitem citar um exemplo que aconteceu semana passada, uma pessoa cruel e má em todos os sentidos dessas palavras, atirar e matar um pai e dois filhos que saíam da escola, porque estes eram judeus (aconteceu em Toulouse, na França)? A violência no mundo de hoje nos esmaga, e o sentimento de liberdade parece não existir mais; para onde quer que se vá, sempre há o mal que insiste em se manifestar. A resposta de Boécio está no verdadeiro estatuto ontológico de Deus e no livre-arbítrio dos homens. Deus, como o Bem supremo, é o Ser único. O mal, produto da escolha do homem, é a vida no não-Ser. Então, quem faz o mal tem seu castigo no próprio viver no não-Ser, privando-se da bondade de Deus. A impunidade seria um castigo, já que não deixa que os maus vejam a realidade verdadeira da bondade de Deus. A escolha do bem faz o homem poder participar da bondade Divina, ter acesso ao transcendente. Vivemos num mundo de aparências, e, para Boécio, os sentidos não podem nos fornecer a verdade, apenas um teatro de ilusões e paradoxos. O racional pode nos levar à verdade universal e transcendente de Deus, que pode dar um pouco de alento para a agonia de quem sofre “injustamente”.

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