Quanto à passagem “Diz Buber: “O mundo do ISSO é coerente no
espaço e no tempo.
O mundo do TU não tem coerência nem no espaço nem no tempo.
Cada TU, após o término do evento da relação deve necessariamente se
transformar.”, gostaria de me aprofundar um pouco mais. O que Buber quer dizer
que o mundo do Tu não se limita por espaço e tempo? Isso significa que o Tu, o
relacionamento conseguido por meio do diálogo genuíno, faz com que seus
participantes sintam uma reciprocidade, uma presença mútua e completa, em que
eles compartilham a entrega e a responsabilidade do momento presente. É como se
não existisse passado nem futuro, tamanha a profundidade da entrega. Kenneth
Kramer conta em seu livro, Practicing
Living Dialogue, um episódio que lhe foi relatado por uma aluna, que
representa essa ausência de limitação espaço-temporal. Jennifer estava no
ônibus indo para a escola. Em uma das paradas, uma outra garota desceu e,
quando atravessava a rua, um carro a atropelou. Jennifer não era muito próxima
dessa garota, mas a via no ônibus todos os dias há anos. Ela conta que não sabe
por que, mas descobriu o número de telefone da menina acidentada e ligou para
saber se estava tudo bem. Elas conversaram por horas. Ela conta ter sentido que
realmente ouviu o que a garota tinha para dizer e ofereceu a ela algo que
ninguém havia oferecido. Um interesse autêntico em se colocar à disposição para
dialogar. A acidentada, por sua vez, retribuiu e se abriu sobre seus medos com
relação ao acidente. Quando desligaram, Jennifer não sabia quanto tempo havia
passado e desejava que a conversa não tivesse terminado. É como se o evento se
elevasse a um plano atemporal.
É
claro que este é um exemplo mais banal, não relacionado à violência, mas que
ilustra como o relacionamento Eu-Tu é mútuo e pode ser alcançado pelo
engajamento dos participantes em verdadeiramente ouvir e reconhecer o outro.
Outro
ponto interessante é o contraste do Eu-Tu com o Eu-isto. Os dois tipos de
relacionamento são fenomenológicos, ou seja, segundo Buber, a nossa percepção
do mundo é que é dual, e não o mundo em si. A atitude do Eu é que determina o
tipo de relação que vamos ter com os outros. Ademais, Buber defende que os dois
tipos relacionamento são necessários e, idealmente, a pessoa vive alternando
entre Eu-Tu e Eu-isto. Não é possível nos entregarmos completamente a todos que
encontramos. Nas relações Eu-isto, as pessoas não investem toda a sua atenção no
outro, que passa a ser usado, conhecido e sentido pelo sujeito. É uma relação
de controle. O Eu controla o começo, o meio e o fim do diálogo. Exemplos desse
tipo de relação são professor/aluno, terapeuta/cliente, líder religioso/fiel. Até
mesmo quando nos lembramos de um acontecimento Eu-Tu, ele se torna Eu-isto, já
que, segundo Buber, a mente não consegue descrever o diálogo genuíno porque o
reduz a uma ideia do evento, distante do tempo em que ocorreu. Na descrição de
um evento Eu-Tu, quando ele se torna Eu-isto, não há a presença de outo ponto
fundamental do pensamento de Buber: o inter-humano, o “campo do meio” que se
cria e que é maior que a soma dos participantes dialógicos. É como uma região
interativa entre as pessoas, a mutualidade comum dos participantes mas que vai
além de cada um. Esse campo do meio, conseguido apenas com o verdadeiro
diálogo, seria a “realidade mais real” da existência humana.
-Anita-
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