quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Diálogo genuíno

Quanto à passagem “Diz Buber: “O mundo do ISSO é coerente no espaço e no tempo.
O mundo do TU não tem coerência nem no espaço nem no tempo.
Cada TU, após o término do evento da relação deve necessariamente se transformar.”, gostaria de me aprofundar um pouco mais. O que Buber quer dizer que o mundo do Tu não se limita por espaço e tempo? Isso significa que o Tu, o relacionamento conseguido por meio do diálogo genuíno, faz com que seus participantes sintam uma reciprocidade, uma presença mútua e completa, em que eles compartilham a entrega e a responsabilidade do momento presente. É como se não existisse passado nem futuro, tamanha a profundidade da entrega. Kenneth Kramer conta em seu livro, Practicing Living Dialogue, um episódio que lhe foi relatado por uma aluna, que representa essa ausência de limitação espaço-temporal. Jennifer estava no ônibus indo para a escola. Em uma das paradas, uma outra garota desceu e, quando atravessava a rua, um carro a atropelou. Jennifer não era muito próxima dessa garota, mas a via no ônibus todos os dias há anos. Ela conta que não sabe por que, mas descobriu o número de telefone da menina acidentada e ligou para saber se estava tudo bem. Elas conversaram por horas. Ela conta ter sentido que realmente ouviu o que a garota tinha para dizer e ofereceu a ela algo que ninguém havia oferecido. Um interesse autêntico em se colocar à disposição para dialogar. A acidentada, por sua vez, retribuiu e se abriu sobre seus medos com relação ao acidente. Quando desligaram, Jennifer não sabia quanto tempo havia passado e desejava que a conversa não tivesse terminado. É como se o evento se elevasse a um plano atemporal.


É claro que este é um exemplo mais banal, não relacionado à violência, mas que ilustra como o relacionamento Eu-Tu é mútuo e pode ser alcançado pelo engajamento dos participantes em verdadeiramente ouvir e reconhecer o outro.

Outro ponto interessante é o contraste do Eu-Tu com o Eu-isto. Os dois tipos de relacionamento são fenomenológicos, ou seja, segundo Buber, a nossa percepção do mundo é que é dual, e não o mundo em si. A atitude do Eu é que determina o tipo de relação que vamos ter com os outros. Ademais, Buber defende que os dois tipos relacionamento são necessários e, idealmente, a pessoa vive alternando entre Eu-Tu e Eu-isto. Não é possível nos entregarmos completamente a todos que encontramos. Nas relações Eu-isto, as pessoas não investem toda a sua atenção no outro, que passa a ser usado, conhecido e sentido pelo sujeito. É uma relação de controle. O Eu controla o começo, o meio e o fim do diálogo. Exemplos desse tipo de relação são professor/aluno, terapeuta/cliente, líder religioso/fiel. Até mesmo quando nos lembramos de um acontecimento Eu-Tu, ele se torna Eu-isto, já que, segundo Buber, a mente não consegue descrever o diálogo genuíno porque o reduz a uma ideia do evento, distante do tempo em que ocorreu. Na descrição de um evento Eu-Tu, quando ele se torna Eu-isto, não há a presença de outo ponto fundamental do pensamento de Buber: o inter-humano, o “campo do meio” que se cria e que é maior que a soma dos participantes dialógicos. É como uma região interativa entre as pessoas, a mutualidade comum dos participantes mas que vai além de cada um. Esse campo do meio, conseguido apenas com o verdadeiro diálogo, seria a “realidade mais real” da existência humana.

-Anita-

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