quarta-feira, 31 de julho de 2013
Um pouco sobre Agostinho

Agostinho foi um filósofo preocupado em “resolver” questões existenciais e passou por várias etapas, que caracterizam muitas das buscas existenciais contemporâneas. Ou seja, ele estudou e aderiu a várias doutrinas filosóficas, encontrando em cada uma explicações para os seus questionamentos incessantes, mas se decepcionou quando não podia mais encontrar respostas. A sua conversão ao cristianismo não se deu apenas pela fé, mas pelo intenso estudo dos ensinamentos cristãos. Uma de suas características mais marcantes foi a tentativa de conciliar fé e razão. Agostinho precisava encontrar numa filosofia/ou religião a reflexão e as bases racionais que explicassem a realidade, o homem e o mundo.
Agostinho buscava saber no que consistia a felicidade, o que é o bem supremo. Ele primeiro aderiu ao maniqueísmo, em que o dualismo bem versus mal tenta explicar o problema do mal. Mas ao não conseguir respostas para os seus questionamentos, ele passa a explorar o ceticismo. Fazendo uma comparação com as nossas próprias buscas existenciais, acho que esse é um caminho que muitos de nós já tomamos - o questionamento sobre se podemos realmente conhecer a verdade ou se isso é algo inalcançável para o ser humano. Isso principalmente porque se trata de uma questão que envolve fé e a tentativa de conhecimento do transcendente. Assim, Agostinho, como muitos de nós, adotou a postura crítica de questionar os métodos de conhecimento do homem com relação ao divino.
Continuando seu “passeio” pela tradição filosófica, Agostinho passa para a metafísica neoplatônica, em que a realidade se constitui no Uno e tudo faz parte desse Uno, que é o bem supremo. Em suma, o filósofo passou pelo maniqueísmo, ceticismo e platonismo antes de finalmente chegar ao monoteísmo cristão. E todo esse seu caminho foi incorporado em seus escritos sobre a religião cristã, principalmente a concepção monista platônica de que tudo é o Uno, mas agora com a concepção do Lógos encarnado na figura de Cristo. Porém, as tentativas de Agostinho de conciliar razão e fé procuram argumentos dentro da própria religião cristã. É o salto de fé, o naase venishmá (fazemos e depois ouvimos, em hebraico), ou seja, primeiro há que se crer e, depois, tenta-se entender. E o filósofo compreende, assim como Platão, os limites do conhecimento por parte do homem. E é aqui que entra a graça divina, o conceito de que, apesar do esforço do homem ser necessário, ele não é suficiente para se chegar ao conhecimento do divino, que só seria possível por meio de revelação, da bondade de Deus. É também o reconhecimento de que a capacidade racional do homem não pode abarcar a natureza transcendente divina em sua completude. A ponte entre a sabedoria humana e a divina seria a bíblia e os ensinamentos de Cristo, o que outros pensadores antes de Agostinho já haviam considerado. Trata-se de uma investigação racional e metafísica que parte de princípios revelados por Deus, e não concluídos pela lógica do homem.
Na filosofia de Agostinho, metafísica e ética se fundem. Conhecer a Deus é conhecer o bem supremo, que representa a felicidade – a eterna busca do homem. O destaque para a ética, a virtude conquistada pelo agir humano, reflete também o “conhece a ti mesmo”, de Sócrates, mas com a ajuda da revelação divina. Tanto para Sócrates como para Agostinho, a verdade está dentro de cada um, mas para Agostinho ela nos é dada por Deus.
Eu e Tu
Estou lendo "Martin Buber’s I and Thou: Practicing Living Dialogue", de Kenneth Kramer. É um excelente livro que apresenta e analisa as ideias centrais de Martin Buber. Concordo que Buber seja um pensador fundamental. A sua noção de diálogo, Eu e Tu, trata da entrega, da completude e do esforço que as pessoas precisam fazer para ter um verdadeiro diálogo e entrar em um relacionamento autêntico. O diálogo, o encontro verdadeiro, se dá quando as pessoas se entregam, se abrem completamente para o outro. O Tu, para Buber, não é uma pessoa, mas, pelo que eu entendi, um estado que se alcança quando se consegue uma relação verdadeira com o outro. Nos relacionamentos Eu e isto, é como se houvesse um monólogo; a pessoa se interessa apenas em impor o seu ponto de vista sem realmente considerar as visões dos outros. Esses dois “pares de pronomes” estabelecem duas atitudes nossas, do Eu com relação ao mundo, às pessoas, à natureza e a Deus.
O verdadeiro diálogo não é possível sem um compromisso mútuo. Por isso concordo que o diálogo não é a única maneira de se conseguir a paz. Mesmo quando duas pessoas, ou dois líderes, conversam, na maioria das vezes não estão dialogando; cada um faz o seu monólogo e nada se resolve.
Bom, esta é uma leitura bem superficial do pensamento de Martin Buber, só estou no começo de uma obra introdutória sobre o filósofo. Mas acho que já dá pra ver a importância de sua obra em todos os sentidos, principalmente quanto à cultura da paz e do diálogo. As noções de Eu, Tu, isto, diálogo, monólogo e dos relacionamentos é bem mais complexa e profunda do que o apresentado aqui.
Para terminar este post, copio (e traduzo) uma passagem do livro “The life of Dialogue”, de Maurice Friedman, citada no livro de Kramer (pg 32)
Uma unidade viva
“Esta vida (de diálogo) é parte do nosso direito inato como seres humanos, pois apenas por meio dela podemos alcançar uma existência humana autêntica.”
Artigo: Montaigne e Pascal
NO QUE OS ARGUMENTOS DE MONTAIGNE E PASCAL A FAVOR DA RELIGIÃO SE APROXIMAM
ANITA MORGENSZTERN
Resumo:
Após um breve resumo sobre a vida de Michel de Montaigne e de Blaise Pascal, este artigo apresenta as visões que os filósofos têm em comum sobre a defesa do cristianismo. São analisadas as obras Pensamentos, de Pascal, e Apologia de Reymond Sebond, de Montaigne. Incluídos nesta abordagem estão os conceitos de graça divina, sentidos como fontes não confiáveis de conhecimento, falácia da ignorância, utilidade da crença em Deus e o papel dos sentidos para o conhecimento. Conclui-se que a religião pode ser defendida filosoficamente, como fizeram Montaigne, Pascal e tantos outros filósofos da Idade Média e contemporânea.
1. INTRODUÇÃO
Michel de Montaigne, filósofo francês do século XVI, apresenta uma vertente cética em sua análise do homem. Extremamente influenciado pelos escritos do Sexto Empírico, Montaigne aplica os pressupostos céticos ao relativismo que encontra entre culturas e costumes. Pessoas do mundo inteiro vivem de acordo com princípios tão diferentes, que um conhecimento objetivo da moral, por exemplo, seria impossível. Mas esse seu ceticismo não o impediu de defender a religião cristã.
Um dos textos em que Montaigne mais defende a fé cristã é a Apologia de Raymond Sebond. Nele, o filósofo fala sobre suas concepções de racionalidade, religião, ceticismo, relativismo de costumes, aplicações práticas da razão, entre outros. Porém, o assunto mais latente, em torno do qual giram os outros comentários, parece ser o da defesa da religião por meio da razão, mas sem ter como fundamento da aceitação da religião o uso da razão. Ou seja, ele se utiliza de argumentos racionais - como quando argumenta a impossibilidade de um mundo tão complexo ter-se feito sem um criador (MONTAIGNE, 2004, p.377 e 379) ou quando explica que o fato de não podermos ver algo não implica que este algo não existe (p.381) - para defender o cristianismo, mas parece acreditar que é preciso aceitar a revelação da verdade concedida pela graça divina. Falando sobre a obra que interpreta, o livro de Raymond Sebond, Montaigne resume o objetivo de sua apologia: “O objetivo deste é ousado e corajoso, pois se propõe estabelecer e provar, contra os ateus, todos os artigos de fé da religião cristã...” (MONTAIGNE, 2004, p. 371).
Pascal, depois de realizar importantes estudos em matemática, geometria e física, passa a se dedicar exclusivamente à filosofia como explicação e justificação da religião cristã. Ele foi influenciado pelo jansenismo, doutrina cristã que enfatizava a corrupção e miséria da natureza humana, o que transparece em seus escritos teológicos. A doutrina de Cornélio Jansênio, baseada em sua interpretação dos escritos de Santo Agostinho, foca a dualidade da natureza humana que pode pender para a graça ou para a concupiscência. A miséria do ser humano deve-se ao pecado original e, desde então, é inerente ao homem. Essa condição miserável do homem está relacionada ao seu modo de viver, suas crenças e à prioridade que dá às coisas que não têm real valor. O ser humano, segundo Pascal, sucumbe às suas paixões e não consegue julgar por si próprio que os prazeres materiais são supérfluos e que a miséria do homem consiste na negação da palavra de Deus. O homem tem a capacidade de se transcender e pensar sobre si mesmo e sobre o mundo, mas apenas aceitando o cristianismo é que ele pode conseguir a salvação e contemplar a realidade como um esquema divino do qual o homem faz parte.
Mas que concluam o que quiserem contra o deísmo, nada concluirão contra a religião cristã, que consiste propriamente no mistério do redentor, o qual, unindo nele as duas naturezas, a divina e a humana, tirou os homens da corrupção do pecado para reconciliá-los com Deus em sua pessoa divina. (Pensamento 556: Brunschvicg. PASCAL, 1973, p. 177)
Antes de iniciar o artigo, faz-se necessário o esclarecimento de três conceitos que serão abordados para diferenciar e caracterizar as abordagens de Montaigne e Pascal quanto à religião cristã e à existência de Deus. São eles, deísmo, teísmo e fideísmo.
Fideísmo é a noção de que não se pode explicar a fé com argumentos racionais. As crenças religiosas não poderiam ser justificadas com argumentos, mas somente por meio da fé e da graça divina. Esse conceito pressupõe a limitação da razão humana para compreender questões transcendentes, como a existência de Deus.
Deísmo é o conceito segundo o qual existe um Deus criador, mas ele não interfere na criação e não revela nenhum código de conduta moral. A ética do homem, de acordo com essa noção, deve ser derivada da razão.
Teísmo é a concepção adotada pelas grandes religiões monoteístas. Deus é o único criador, é onisciente, onipotente e participa da sua criação. Ele é um ser ético, perfeitamente bom, que revela ao ser humano os valores morais que este tem de seguir.
Montaigne e Pascal trazem uma abordagem teísta acerca de Deus, já que defendem a religião cristã. Montaigne, em algumas passagens, demonstra um certo fideísmo ao defender a adoção do cristianismo como resultado da aceitação da graça e da revelação divina. Pascal, apesar de advogar a graça como dom divino que faz parte da natureza humana (junto com a corrupção do pecado), acreditava ser possível, até um certo ponto, fundamentar a fé com a razão.
Apresento alguns temas em comum de defesa da fé cristã apresentados pelos dois filósofos em suas obras Apologia de Reymond Sebond (Montaigne) e Pensamentos (Pascal), tentando responder à questão “No que os argumentos de Pascal e Montaigne em favor da religião se aproximam?”.
2. GRAÇA E REVELAÇÃO DIVINA COMO ÚNICO MODO DE CONHECER DEUS
O conceito de revelação divina como forma de conhecer Deus é defendido pelos dois filósofos. O argumento, que de certa forma toca o ceticismo, é o de que o ser humano não tem capacidade de conhecer Deus se contar apenas com seus próprios esforços racionais. Em certas passagens das obras analisadas, Montaigne e Pascal tentam nos mostrar que a racionalidade do ser humano é insuficiente para abarcar a realidade metafísica de Deus, com a distinção de que a crítica epistemológica de Montaigne diz respeito a todas as áreas de conhecimento. Já Pascal, baseado em sua concepção dualista da natureza humana, direciona sua crítica à capacidade do homem conhecer Deus, e não as ciências naturais, pelas vias da razão. Apesar disso, não se pode afirmar que Pascal seja também fideísta, pois ele apresenta argumentos racionais que indicam a existência de Deus (Pensamento 233: Brunschvicg. PASCAL, 1973, p.98 até 101). A posição cética de Montaigne é fundamentada em suas viagens e constatações de relativismo cultural entre os povos. “Há povos entre os quais as mulheres pertencem a vários homens e outros em que cada um tem a sua”, “(...) Acreditam em gigantes. Mulheres e servidores disputam a honra de morrer com o marido ou senhor. O primogênito herda tudo o que possui o pai.” (MONTAIGNE, 2004, p. 401 e 481) O seguinte trecho é explícito quanto à revelação divina como forma de conhecimento: “O laço que deveria (...) envolver nossa alma e ligá-la ao Criador não deveria decorrer de nossas considerações, nem de nossos raciocínios, e sim de um abraço divino e sobrenatural, (...) emanado de Deus e Sua graça.” (MONTAIGNE, 2004, p. 376). Eis um exemplo claro de como Montaigne preconizava uma espécie de suspensão da razão e entrega à crença cristã. Pascal traz a graça como elemento constituinte do ser humano. Apesar de não demonstrar o fideísmo de algumas passagens da Apologia de Montaigne, Pascal reforça o peso da graça em oposição à razão com estes trechos, entre outros: “(...) pois ter sempre provas à mão é demasiado penoso.” e “A fé é um dom de Deus; não imagineis que a consideramos um dom do raciocínio.” (Pensamentos 252 e 279: Bruschvicg. PASCAL, 1973, p. 107 e 111). A graça de Deus seria o elemento responsável por realizar a união do humano ao divino, reconstituindo a unidade da natureza dual do homem. “É em vão, ó homens, que procurais em vós mesmos o remédio para as vossas misérias.” (Pensamento 430: Bruschvicg. PASCAL, p.144). Todos esses trechos também apontam para o caráter transcendente de Deus, que está além do entendimento humano. Pela razão, o homem deve entender que não pode entender Deus sozinho.
3. ARGUMENTOS CONTRA OS ATEUS
Para se defender das críticas contra a religião, um dos ataques pode ser direcionado a quem não acredita nela. Os argumentos dos ateus são refutados por Montaigne e Pascal. Montaigne tende para o argumento de que nenhum ateu o é verdadeiramente. Segundo ele, os ateus são rebeldes que querem aparecer, mas que, na hora da dificuldade, acabam apelando para Deus, não conseguem internalizar suas convicções ateístas a ponto de realmente seguirem não acreditando em Deus em todas as situações da vida, como está escrito no trecho “...se esses ateus são bastante loucos para se dizerem ateus, não são suficientemente fortes para implantar tal convicção em sua consciência.” (MONTAIGNE, 2004, p.376). Montaigne faz também uma espécie de “ataque pessoal” contra os ateus, que seriam pessoas maliciosas, inclinadas a interpretar qualquer coisa sob o olhar do ateísmo. “Para o ateu, tudo o que se escreve tem alguma relação com o ateísmo e ele envenena com seu próprio veneno o mais inocente pensamento.” (MONTAIGNE, 2004, P.378). Pascal já elabora mais sua crítica aos ateus e defende que eles não conhecem a fundo a religião que tentam atacar. Além disso, ele monta o argumento de que não há razões nem conhecimento suficiente para que eles provem que alguns aspectos da religião sejam falsos, como por exemplo, a imaterialidade da alma e a ressureição. Para ele, “os ateus devem dizer coisas perfeitamente claras; não é perfeitamente claro que a alma seja material.” e “Que razões eles têm para dizer que não se pode ressuscitar?”. (Pensamentos 221 e 222: Brunschvicg. PASCAL, 1973, p. 96). Ou seja, os ateus não conseguiriam comprovar, por meio de seu principal método, o do raciocínio, que alguns elementos do cristianismo são falsos. Pascal também tenta argumentar a favor de alguns temas controversos que os ateus geralmente usam para refutar a plausibilidade do cristianismo. Nos pensamentos 222, 223 e 224 da edição de Brunschvicg (PASCAL, 1973, P.96), o filósofo defende a ressureição e o parto da virgem. A lógica é a seguinte: nascer é “chegar a ser” e ressurgir é voltar a ser. Seria mais fácil voltar a ser do que chegar a ser. Não é porque estamos acostumados com a ideia do nascimento e que não presenciamos uma ressureição que devemos rejeitar esta última. Quanto ao parto da virgem, ele faz a analogia da galinha, que bota ovos sem a ajuda do galo. Não poderíamos, segundo Pascal, ter a garantia de que a galinha não tenha formado os ovos independentemente. Isto é, esta é uma possibilidade que, assim como a do parto virgem, poderia ser considerada como possível, e não como completamente absurda.
4. ARGUMENTO CONTRA A FALÁCIA DA IGNORÂNCIA
Dizer que uma coisa não é verdadeira porque não podemos prová-la empiricamente é uma espécie de falácia da ignorância. É o argumento de que se não conhecemos, é porque não existe. Mais especificamente, os opositores do deísmo ou do teísmo muitas vezes se utilizam desta falácia para comprovar a inexistência de Deus. Como comprovar empiricamente a existência de um ser que, por definição, é imaterial e está além do espaço e do tempo? Isso foi refutado inúmeras vezes ao longo da história com descobertas que o homem acreditava não serem possíveis. Apesar de essas descobertas serem científicas/empíricas, a ideia é que há a possibilidade de existirem coisas que não podemos ainda enxergar. Se não se descobriu até hoje vida em outros planetas, quer dizer que não existe vida em outros planetas? “Se tudo o que não vemos não existisse, nossa ciência se acharia muito empobrecida.” (MONTAIGNE, 2004, p.381).
Essa linha de argumentação é usada por Montaigne e Pascal. “Nada vemos que se assemelhe ao sol, mas do fato de nada termos visto de semelhante concluiremos que não existe, como não existiriam seus movimentos de rotação porque não conhecemos coisa equivalente?” (MONTAIGNE, 2004, p.381) O fato de não podermos provar empiricamente a existência de Deus não significa que Ele não exista. Para isso, Montaigne cita Santo Agostinho, que em sua defesa da existência de Deus, “cita-lhes fatos conhecidos e indiscutíveis que o homem confessa não poder explicar.” (MONTAIGNE, 2004, p. 378-379). Quando faz sua longa descrição sobre os animais e os compara ao ser humano, Montaigne conclui: “É portanto inexplicável a nossa vaidade de querer considerar inferior e interpretar desdenhosamente o que não somos capazes nem de imitar, nem de entender.” (MONTAIGNE, 2004, p.403).
Montaigne ressalta a arrogância do homem de achar que sabe tudo e de pensar que o que não sabe, não existe. A própria característica do transcendente, do “milagre” é algo que deveria fazer o homem acreditar em Deus. “O mal do homem está em pensar que sabe” e “Deparar com algo incrível é para o cristão uma oportunidade de crer.” (MONTAIGNE, 2004, p.409 e p.417).
Pascal é direto: “Nem tudo o que é incompreensível deixa de existir.” (Pensamento 430:Brunschvicg. PASCAL, 1973, p. 145). Aqui mais uma vez tem-se a comparação com a ciência e a analogia de que o homem não pode enxergar toda a realidade. E isso não significa que ela não exista. Pascal ressalta também a pequenez e a limitação da racionalidade do homem. “É incrível que Deus se nos una? Essa consideração só decorre da visão da nossa baixeza. (...) reconhecei que somos tão baixos que somos incapazes de conhecer se sua misericórdia pode tornar-nos dignos dele.” (Pensamento 430: Brunschvicg. PASCAL, 1973, p. 145). A limitação da racionalidade humana serve de base para o argumento de que o conhecimento do homem não é a medida da realidade.
5. QUAL A UTILIDADE DA RELIGIÃO/CRENÇA EM DEUS?
Como explicado em 2., há traços de fideísmo na obra de Montaigne. O ceticismo como filosofia acaba negando a própria filosofia quando versa sobre religião. Para Montaigne, o “mal do homem está em pensar que sabe” (MONTAIGNE, 2004, p. 409). De acordo com o filósofo, a crença em Deus, em geral, é uma questão de hábitos culturais. Quem nasce numa família católica, por exemplo, torna-se católico. Quem faz parte de alguma cultura indígena, segue as crenças e rituais de sua tribo etc. Não que ele ache que devemos nos conformar com o que nos é imposto, mas ele constata que a realidade é dessa maneira. Assim, a religião serviria para que as pessoas moldassem sua conduta. Sendo o cristianismo a verdade revelada, ele aparece como a melhor opção de comportamento a ser seguido. Para Montaigne, se os cristãos acreditassem realmente em Deus e nos preceitos de sua religião, não se comportariam como faziam na época, mas seriam reconhecidos por sua conduta. “Cumpriria que dissessem: são justos, caridosos, bons, logo devem ser cristãos.” (MONTAIGNE, 2004, p.373). Pascal, por sua vez, tende mais ao argumento de que o homem pode obter conhecimentos verdadeiros em áreas empíricas (ele próprio era matemático e físico), mas que em relação a Deus precisamos da ajuda da graça divina, ainda que seja possível alguma fundamentação racional para a crença em Deus. Para Pascal, uma das “justificativas práticas” da religião se manifesta na questão da escolha. O homem, por razões práticas, precisa escolher que conduta seguir, em que acreditar. Se pela razão não podemos chegar a nenhuma conclusão concreta, deveríamos escolher a fé e pronto, “já que é preciso necessariamente escolher” (Pensamento 233: Bruschvicg. PASCAL, 1973, p. 99). Esse “argumento da decisão” é conhecido como a “aposta de Pascal”. Para o filósofo, é muito mais útil, “vale mais a pena”, acreditar que Deus existe. O argumento estrutura-se mais ou menos assim: Se eu acredito em Deus e Ele existe, terei felicidade eterna. Se eu não acredito em Deus e Ele existe, sofrerei eternamente. Se acredito em Deus e Ele não existe, vivo uma vida feliz, com a vantagem de ter os confortos que a religião oferece. Se não acredito em Deus e Ele não existe, não sofrerei eternamente, mas não terei os confortos da religião, que tornam a vida mais agradável. Qual dessas hipóteses é mais vantajosa? Qual é menos arriscada? De acordo com Pascal, analisando-se esses argumentos racionalmente, chega-se à conclusão de que é melhor acreditar em Deus (Pensamento 233: Bruschvicg. PASCAL, 1973, p.99 e 100).
6. O PAPEL DOS SENTIDOS PARA O CONHECIMENTO
Um aspecto marcante da Apologia de Reymond Sebond é a comparação entre diferentes culturas, o que leva o autor a um relativismo cultural e moral, e também à comparação entre o homem e os animais e entre os próprios homens. O objetivo parece ser diminuir a credibilidade que damos aos nossos sentidos como fontes confiáveis de conhecimento acerca do mundo. Se não podemos confiar em nossos sentidos, como saber que os raciocínios baseados em fatos observáveis são verdadeiros? Até mesmo entre um homem e outro há diferença na percepção pelos sentidos. Como saber quem enxerga a verdadeira realidade? Montaigne nos traz exemplos simples de como os sentidos nos enganam, como por exemplo, coisas que parecem ter um aspecto de longe e outro de perto, o fato de que a icterícia nos faz enxergar amarelo etc. Os animais, por sua vez, parecem ter sentidos que nós não temos. Talvez os nossos cinco sentidos não sejam os únicos que existem nos seres vivos. Os animais podem ter sentidos que o ser humano não conhece e enxergar muito mais além. Há várias citações e exemplos na Apologia sobre a não confiabilidade dos sentidos. “Como saber se o gênero humano não comete tolices análogas, em virtude de alguma carência de sentido, cuja falta faz que em sua maioria as coisas não se mostrem tal qual são?”, “Que os sentidos dominam muitas vezes a razão e nos impõem sensações que ela sabe serem falsas é coisa que se vê comumente.” e “Quem estará com a verdade?”, entre outros (MONTAIGNE, 2004, p.493, 495 e 499). Por isso, levando esse argumento à questão da religião, Montaigne sustenta que é preciso confiar na palavra revelada de Deus para termos acesso à verdade. Se os sentidos nos enganam e nossa razão, além de não poder se basear nos sentidos, não é suficiente para a compreensão da realidade que nos transcende, a aceitação dos ensinamentos da religião se torna a alternativa mais plausível para o filósofo.
Pascal também toca o assunto do como percebemos a realidade. Ele descreve na obra algumas concepções matemáticas e geométricas que nos fazem ver que o filósofo considerava a percepção sensível para o conhecimento do mundo. Acontece que, para ele, o homem é muito pequeno com relação à infinitude de Deus. Ou seja, o conhecimento do que é divino, da existência e natureza de Deus, nos são proporcionados pela palavra revelada e pela graça divina. O homem é um ser de natureza dual: sua natureza é afetada pela corrupção do pecado e pela graça, pela miséria e pela divindade interior, o que dificulta ao homem que se deixa levar pelos desejos da concupiscência o conhecimento do que realmente tem valor - o divino, alcançado pela fé e pela graça. O homem miserável confia em seus sentidos que não lhe provam a existência de Deus. Os sentidos têm um papel importante no desenvolvimento da ciência, mas não deveriam atrapalhar o homem a acreditar em Deus.
8. CONCLUSÃO
A investigação filosófica de Pascal e Montaigne fundamentou, com suas diferenças, a aceitação da fé cristã e procurou argumentos que pudessem esclarecer e ilustrar como o cristianismo detém a verdade da palavra revelada por Deus. Montaigne usou, principalmente, de seu ceticismo com relação a qualquer tipo de conhecimento como base para o argumento de que o homem não consegue usar apenas a razão para conhecer Deus. Sua abordagem é em geral fideísta e apela para a enorme diferença de costumes entre povos e para a fragilidade dos sentidos para chegar à sua conclusão de que devemos aceitar a palavra revelada. Se aceitamos o argumento da incapacidade do homem alcançar a verdade por seus próprios meio limitados, aceitar a palavra revelada por uma fonte divina e transcendente pode ser possível. Já Pascal, apesar de também advogar a aceitação da revelação cristã, tem na natureza humana o reflexo de como se dá o conhecimento do divino. O conhecimento do mundo, dado pelos sentidos, reflete a natureza mundana (ou corrupta) do homem adquirida com o pecado original. O conhecimento do divino ocorre por meio da graça que poderia nos levar à crença na palavra revelada de Deus e, por conseguinte, à salvação. Esse debate, assim como tantos outros problemas filosóficos, persiste até os dias de hoje, assumindo diferentes formas (razão x fé, ciência x religião, ateus x crentes) e, claro, em contextos diferentes daqueles do século XVI de Pascal e Montaigne. Mas a questão ainda é controversa e leva em consideração muitos dos argumentos trazidos pelos filósofos citados. Um exemplo atual é o do filósofo americano William Lane Craig. Ele defende o cristianismo com argumentos racionais e lógicos, travando famosos debates com ateus. Assim como Montaigne e Pascal, Craig usa a razão para sua apologia da religião, mas também defende a crença da graça e na palavra revelada como o único modo de se chegar à verdade sobre Deus. Ele representa como ainda é possível, assim como fizeram Montaigne, Pascal e outros pensadores da Idade Média, a defesa filosófica da crença religiosa.
Viktor Frankl - a busca por um sentido
Viktor Frankl, psiquiatra austríaco que fundou a logoterapia, afirma que a vida não é a busca por prazer, como acreditava Freud, mas a busca por um sentido. É uma visão de vida centrada no futuro. Ele cita em seu livro mais famoso, Em busca de sentido, que ninguém pode tirar de nós a liberdade de escolher como iremos reagir a determinadas situações. Não controlamos o que nos acontece na vida, mas podemos controlar como nos sentimos e reagimos ao que nos acontece. Essa liberdade existencial foi experimentada ao máximo por Frankl, que, durante o período em que esteve preso em campos de concentração, precisava diariamente encontrar motivos para não desistir de viver.
O desejo de ter um propósito e um sentido na vida, segundo Frankl, é o que nos move. Cada um encontra o seu próprio significado, mas a vontade de querer ter um sentido nos une a todos. A possibilidade de escolher como reagir a situações é inerente ao ser humano. Ou seja, apesar de vivermos em sociedade, segundo os valores desta sociedade, segundo a cultura e a educação que recebemos desde crianças, temos a liberdade de escolher como reagir ao que nos ocorre, mesmo que seja muito difícil optar por algo fora dos padrões. E Frankl é um caso exemplar (e extremo) dessa possibilidade de liberdade interior. Nos campos de concentração, era natural que todos reagissem da mesma forma às condições terríveis em que viviam. Mas alguns, como ele, conseguiram exercer essa liberdade de reação e buscaram um sentido para continuar vivendo. Frankl usou sua experiência para construir a teoria da logoterapia.
As manifestações e a cibercultura
Acredito, finalmente, que a cibercultura é a perspectiva correta para entender as manifestações que acontecem no Brasil, enquanto que a maioria dos formadores de opinião tentam interpretar esses eventos através de uma defasada ideologia partidária, gerando interpretações absurdas. A cultura digital é um assunto pouco debatido no Brasil, e a surpresa de todos significa que deram pouca importância a ela.
Em 2010 descobri o livro Cibercultura do filósofo Pierre Lévy. Tudo o que estava escrito ali parecia fazer sentido. Eram coisas que eu percebia como profissional de TI e empreendedor frustrado de internet. Amante da filosofia e da ficção científica que sempre fui, acreditava que a consciência globalizada e as profundas transformações sociais, apoiadas pela tecnologia digital, finalmente haviam chegado. Ou pelo menos eram iminentes.

Após expulsar saqueadores, a polícia conversa com manifestante no cordão de isolamento do Congresso Nacional, em Brasília, dia 20/06/2013. Foto de Alfredo Carneiro
Criei então o blog Netmundi – Cibercultura. Empolgado, escrevi vários textos introdutórios, visitei vários blogs e sites, lia sobre o assunto e debatia nas redes sociais sobre as possibilidades da cultura digital. Falei sobre as possibilidades políticas, o impacto na cultura, sobre o conceito de universal sem totalidade, alteridade na era digital , história da mídia e os perigos da internet como fator alienante, entre vários outros temas ligados à cibercultura.
Mas nada aconteceu, pelo menos nos três anos seguintes. Via a mídia tradicional dominar a internet e demarcar seu território, os impostos crescentes e a corrupção absurda , a degradação da educação brasileira, jovens conversando futilidades nas redes sociais e debates políticos dentro do paradigma partidário. Tudo velho, nenhuma novidade. Me senti cada vez mais solitário escrevendo sobre um assunto que parecia não interessar a ninguém.
O Brasil não era o país do futuro, pois aqui a internet apenas refletia o gosto popular por futebol, cerveja e debate religioso vazio. A mídia tradicional – televisão, jornal e revistas - se espalhara pelo ciberespaço brasileiro, difundindo seus valores e interesses. A coletividade não participava de nada, era apenas um receptor passivo de informações. O brasileiro não havia percebido que a força da cultura digital era a interação direta entre as pessoas, sem intermediários. As ideias de Pierre Lévy começaram a me parecer românticas e, por fim, utópicas. A grande consciência global, a internet como um grande neurotransmissor, a descentralização da mídia, a ciberdemocracia e as redes sociais como termômetro da vontade coletiva, nada disso iria acontecer. Eu mesmo comecei a me sentir ingênuo.

Manifestante com cartaz de protesto na Esplanada dos Ministérios, dia 20/06/2013. Foto de Alfredo Carneiro
Mas, para minha surpresa, Pierre Lévy pareceu voltar ter razão da noite para o dia. Uma grande catarse coletiva se materializou, mostrando que de fato o ciberespaço brasileiro estava construindo, aos poucos, uma consciência e uma indignação crescentes, assistindo nas redes sociais às notícias de corrupção, absurdos políticos, impunidade indecente e desvairada e à gritante seleção de informação da grande mídia. Da noite para o dia, tudo mudou. E a participação das tecnologias digitais e das redes sociais nas manifestações espalhadas por todo o país é inegável. Os conceitos e as ideias da cultura digital me pareceram o melhor paradigma possível para compreender a onda de protestos.
O grande debate está ocorrendo nas redes sociais. A mídia tradicional se revelou tendenciosa e incapaz de interpretar e participar, comprometida com esquemas partidários e atrelada a velhas ideologias. Como alguns veteranos do Vietnã que acreditam que a guerra não acabou, muitos formadores de opinião ainda falam em “anos 60″, “esquerda radical” e “ameaça comunista”, tentando sofrivelmente encaixar um velho paradigma a uma novíssima situação. A pérola maior é chamar o movimento de “petismo primitivo”, numa clara afirmação de que a terra ainda é plana.

Saqueadores tentaram romper o cordão de isolamento do Itamaraty e do Congresso Nacional, em Brasília, dia 20/06/2013. Foto de Alfredo Carneiro
Eu estive nas manifestações em Brasília no dia 20 de junho. Estive próximo do cordão de isolamento na frente do Congresso Nacional e vi com meus próprios olhos – que sentiram os efeitos do gás lacrimogêneo – o grupo de vândalos e saqueadores que estavam lá desde cedo com intenção de depredar, invadir e saquear. Essa comissão de frente de saqueadores era rechaçada pelos 35 mil manifestantes que estavam recuados e gritavam “Sai, filha da puta, não vem aqui acabar com nossa luta”. Na grande mídia, no entanto, o foco é somente nos arruaceiros, em uma clara tentativa de desmoralizar os protestos.Sinceramente (fico até constrangido de escrever isso), se 35 mil pessoas estivessem ali para saquear e invadir, não sobraria nada em pé. A polícia iria conter 35 mil saqueadores em Brasília? Ou 300 mil no Rio de Janeiro? Quem são esses policiais? os 300 de Esparta? Focar a interpretação somente na violência é manipulação. Neste caso específico, tentar interpretar um todo de 35 mil manifestantes de Brasília (ou 300 mil no RJ) focando em uma pequena parte de saqueadores é escolher a parte errada. O que pude ver in loco é que, após afastar os saqueadores do cordão de isolamento com gás, a polícia recebia e conversava com os manifestantes, como pode se ver em uma das fotos deste post.
Através de um pensar coletivo, que ocorre pela interatividade das redes sociais, os protestos se organizam de uma forma incompreensível para os adeptos do paradigma partidário. Eles não conseguem ver as manifestações como o resultado de uma mente coletiva , mas buscam em vão uma “liderança que manipula as massas”. Essa mente coletiva não quer o fim da democracia, nem do livre comércio que proporcionou a tecnologia que a ajudou a nascer, mas antes quer que os políticos façam a sua parte. Por mais que os eventos atuais remetam às velhas lembranças e fantasmas do passado, não é o passado que se faz presente, mas um futuro conectado, interativo e militante, que pensa de forma coletiva e não mais reflete as ideias de um pequeno grupo suspeito.
Voltei então a ser ingênuo, a acreditar que por vezes algumas ideias são avançadas demais para o Brasil. No entanto, mais do que nunca elas precisam ser difundidas, para limpar de vez ideologias obsoletas, lentes distorcidas e velhos esquemas de poder. A democracia se renova, os velhos centros de poder perdem força e o futuro tem um nome: ciberdemocracia e consciência coletiva. Espero estar certo, mas se não estiver, não poderei jamais me condenar por nunca ter tentado entender o meu tempo, com sinceridade e ingenuidade.
-Alfredo Carneiro-
Os quatro sentidos da metafísica de Aristóteles

Aristóteles aborda quatro sentidos para a filosofia primeira: ontologia, ousiologia, teologia e etiologia. A seguir uma breve explicação de cada um:
Etiologia: Ciência das causas primeiras e dos primeiros princípios - Nesse sentido, a metafísica é a filosofia que procura conhecer o fundamento da realidade em seu sentido universal, buscando os princípios primeiros de toda a existência. É uma ciência que, ao buscar as causas universais para a existência dos entes, conhece os particulares sem conhecer exatamente seus detalhes, já que conhece o universal presente em todas as coisas.
Ontologia: Ciência do ser enquanto ser - A principal característica da metafísica /ciência do ser enquanto ser é a definição de que o “ser se diz de vários modos”. Então, numa primeira abordagem à terceira pergunta da segunda etapa deste fórum, temos que os quatro principais modos são o ser do discurso (verdadeiro ou falso), o ser como ato e potência, como substância e acidente e o ser da predicação (das categorias). O ser do discurso tem um caráter não apenas de análise de linguagem, mas também ontológico, pois visa saber se o que se diz condiz com fatos do mundo que sejam realmente verdadeiros ou falsos. O ser como ato e potência explica o movimento e também um pouco da questão do não-ser. Para Aristóteles, todo ser tem algumas potências a realizar. Uma semente é uma árvore em potência, mas ainda não é uma árvore em ato. E toda passagem da potência para o ato consiste num dos tipos de movimento. O ser como substância e acidente está ligado à definição do que é essencial aos entes e o que é atribuído mas não constitui a sua essência. Por exemplo, se Sartre não fosse branco nem filósofo, continuaria sendo Sartre. O atributo branco e filósofo são acidentais, e se relacionam ao ser substancial Sartre. A última definição dos modos de ser é a da predicação. As categorias são 10, sendo que a substância é a categoria com a qual todas as outras se relacionam. A qualidade tem que ser qualidade de alguma substância, assim como a quantidade, o lugar, o tempo, o estado etc. Essas categorias remetem à noção de acidente, já que se relacionam com a substância e não se poderia dizer que existem por si mesmas.
Ousiologia: Ciência da substância - A substância é o significado primeiro do ser (que se diz de vários modos). Todos os significados do ser são relacionados à substância, que é aquilo que permanece até mesmo quando o ser muda algumas de suas características (acidentes). A substância é a unidade na multiplicidade.
Teologia: Ciência de deus e da substância suprassensível - Aristóteles argumenta que há três tipos de substância: a matéria, a forma e o sínolo (junção de matéria e forma). Para argumentar sobre a existência de Deus, o filósofo segue o seguinte argumento: O tempo é eterno, já que sempre concebemos um antes e um depois para todas as coisas. O tempo é a medida do movimento, que, portanto, também deve ser eterno. O movimento precisa de uma causa, e essa causa tem de ser eterna também, apesar de ser imóvel (porque se fosse móvel, exigiria uma causa para o seu movimento, e o argumento iria ao infinito). Bem resumidamente, é assim que Aristóteles chega ao motor-imóvel, aquele que gera todo o movimento do universo exercendo uma atração com relação a todas as coisas – é a causa final, em direção à qual o universo se movimenta.
Ética: Platão ou Aristóteles?

Apesar de concordar com Platão quanto à moderação, ou seja, de achar que a vida virtuosa é um caminho do meio, e que as melhores virtudes são justamente aquelas que não pecam nem pela falta nem pelo excesso, Aristóteles não concentra sua ética na ideia de bem em si, mas parte justamente do ethos, da possibilidade de que haja diferentes situações em que o homem tenha de fazer uma escolha sobre como agir. Então, como existem situações distintas, não pode haver esse bem universal que guia todas as escolhas. O homem deve desenvolver uma capacidade de agir virtuosamente, sabendo julgar cada problema que lhe surge. O saber moral é o ser moral, que, apesar de haver, sim, uma noção do que seja bom, essa noção tem que ser aplicada a cada situação.
Por um lado, é atraente a ideia platônica de que haja um Bem supremo que possa nos guiar em todos os ethos. Apesar de concordar que cada cultura estabelece seus costumes e valores, ainda acho que alguns valores deveriam ser considerados universais. Não acredito, só para dar um exemplo, que o sacrifício infantil praticado em algumas culturas tribais seja correto em nenhuma circunstância, mesmo que seja cultural. A meu ver, deve haver um limite, e talvez esse limite possa de fato ser guiado pela máxima de Kant, que pode também ser comparada ao “não faça aos outros aquilo que você não gostaria que fizessem com você” (ou algo parecido).
Por outro lado, na maioria das decisões que o homem toma sobre como agir (não tão extremas como meu exemplo acima), entendo que a cultura tem um papel fundamental e que possa haver um certo relativismo, até um certo ponto. Nesse caso, a visão mais prática de Aristóteles seria a mais adequada. Concluindo, eu tomo o “caminho do meio” de Aristóteles e a “proporção” de Platão e digo que, para mim, uma junção das duas teorias seria o melhor caminho a ser seguido.
O Ethos

Éthos significa morada, abrigo. Já êthos, com o "e" fechado, refere-se ao comportamento que resulta dos hábitos não-necessários do homem. Essa característica do não-necessário remonta ao agir segundo uma noção de bem e bem-estar da sociedade como um todo. Isso não é algo inato, mas culturalmente transmitido. As duas palavras se complementam visto que as virtudes que a sociedade (e nós, como parte dela) determina como boas, os hábitos do êthos, do caráter, são construídos e estabelecidos dentro de um éthos, a morada, o espaço, o contexto dentro do qual a cultura de um povo é criada e transmitida, e que engloba a ética. Desses dois conceitos de ethos podemos derivar duas noções, que também são complementares. Uma com relação à sociedade em geral e a outra com relação ao indivíduo. Há o ethos como o conjunto de valores considerados bons por uma sociedade e há o ethos como o hábito do indivíduo que absorve esses valores e age segundo eles. A diferenciação desses dois termos nos ajuda a compreender também a disciplina da ética, como a reflexão sobre a práxis e sobre o ethos, tanto cultural geral como individual. Esse estudo tem de levar em consideração esses dois significados, pensar como ocorre esse círculo, em que estabelecemos os valores gerais tidos como bons para uma sociedade, mas, ao mesmo tempo, lembrando que somos influenciados imensamente pelos valores já estabelecidos pela tradição, por homens que vieram antes de nós. Somos construídos por esses valores e também os construímos como membros integrantes de uma cultura.
-Anita-
Hannah Arendt
"Estar em solitude significa estar consigo mesmo; e, portanto, o ato de pensar, embora possa ser a mais solitária das atividades, nunca é realizado inteiramente sem um parceiro e sem companhia."
Hannah Arendt
A ética de Nietzsche

Uma das principais características da ética nietzschiana foi a crítica à moral judaico-cristã de sua época, uma moral de “fracos e escravos” focada no altruísmo e na compaixão, que impediria o homem de viver plenamente a vida e de se tornar um ubermensch, o homem além do homem, que cria seus próprios valores e se vê acima da distinção maniqueísta entre bem e mal com a qual a religião cristã trata todas as ações e decisões do sujeito moral.
Nietzsche propõe uma ética para substituir essa moralidade religiosa comum, e que pode ser caracterizada de certa forma como perfeccionismo, já que é teleológica (tem em vista um objetivo, um fim) e visa o modelo de perfeição personificado no ubermensch. A principal crítica do filósofo é que a universalidade das exigências morais comuns, de escravos e fracos, seria prejudicial ao desenvolvimento dos homens superiores, pois supõe que todos os agentes morais sejam iguais. Então haveria, para o filósofo, dois tipos principais de moralidade; a moral de senhores e a moral de escravos. A moral de escravos, dos seguidores em rebanhos, não deixa que os homens realizem tudo o que a natureza humana tem a capacidade de realizar. A transvaloração de valores seria uma substituição da moralidade de escravos (e não um extermínio total de valores) - que impede a realização máxima da potencialidade do homem- por uma moralidade que nos faça ir em direção ao “além do homem”. O super-homem nietzschiano, princípio norteador da ética ideal do filósofo, tem características de excelência, como grande criatividade, orgulho, autonomia e autoafirmação. Essas seriam as qualidades que promoveriam a realização da natureza humana mais plenamente.
-Anita-
-Anita-
A aposta de Pascal

Para Pascal, uma das “justificativas práticas” da religião se manifesta na questão da escolha. O homem, por razões práticas, precisa escolher que conduta seguir, em que acreditar. Se pela razão não podemos chegar a nenhuma conclusão concreta, deveríamos escolher a fé e pronto, “já que é preciso necessariamente escolher” (Pensamento 233: Bruschvicg. PASCAL, 1973, p. 99). Esse “argumento da decisão” é conhecido como a “aposta de Pascal”. Para o filósofo, é muito mais útil, “vale mais a pena”, acreditar que Deus existe. O argumento estrutura-se mais ou menos assim: Se eu acredito em Deus e Ele existe, terei felicidade eterna. Se eu não acredito em Deus e Ele existe, sofrerei eternamente. Se acredito em Deus e Ele não existe, vivo uma vida feliz, com a vantagem de ter os confortos que a religião oferece. Se não acredito em Deus e Ele não existe, não sofrerei eternamente, mas não terei os confortos da religião, que tornam a vida mais agradável. Qual dessas hipóteses é mais vantajosa? Qual é menos arriscada? De acordo com Pascal, analisando-se esses argumentos racionalmente, chega-se à conclusão de que é melhor acreditar em Deus.
-Anita-
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