sábado, 28 de dezembro de 2013

Breaking Bad


O seriado Americano Breaking Bad é viciante. Tão viciante quanto a metanfetamina produzida pelos personagens principais, Walter White e Jesse Pinkman.
A história é a seguinte: Walter White, professor de química, descobre que tem câncer de pulmão e pouco tempo de vida. Para pagar seu tratamento e deixar a família em boas condições após sua morte, ele decide usar seus conhecimentos para “cozinhar” uma das drogas mais destrutivas que existem:  metanfetamina. A metanfetamina é produzida em laboratório e é necessário alguém que entenda do assunto para que se faça um produto puro. Walter é o que pode se chamar de iron-chef nessa área – consegue fabricar a droga mais pura do mundo.

O problema é que Walter entra em um mundo de tráfico, cartel, territórios demarcados e disputas, em que a vida humana não tem mais valor que o mercado das drogas. Ao longo do seriado, Walt se vê em situações de extremo risco, e decisões éticas começam a fazer parte de seu dia-a-dia. No início, as situações são predominantemente de defesa. É matar ou morrer. Até aqui “tudo bem”. Ocorre que Walt e Jesse vão se envolvendo cada vez mais a fundo. Walt se cura do câncer, tem dinheiro suficiente para viver bem o resto da vida, mas decide continuar no negócio. Por quê? Orgulho? Ganância? Reconhecimento de sua genialidade como o fabricante da única metanfetamina com 99% de pureza? É o que vamos descobrindo nesse personagem, que, como todos nós, tem muitas “camadas” subjetivas a serem reveladas. Esse seriado provoca alguns questionamentos:

Por que Walter e Jesse seriam diferentes dos outros traficantes e assassinos?
O que faz com que o público simpatize e torça por esses personagens? Afinal, eles não comercializam drogas e cometem assassinatos? Penso que talvez seja por eles demonstrarem sentimento, o “outro lado” que todo (ou quase todo) ser humano tem. Por mais que estejam participando e alimentando um mercado violento, ilegal e prejudicial a muita gente, Walt é um pai amoroso e faz o que pode para proteger a família. O personagem mostra os extremos que, em um certo nível, todos compartilhamos; ele é capaz de matar um inimigo, ir para a casa e pegar carinhosamente a filha bebê no colo. Já seu parceiro Jesse tem uma história de vício. Era o pobre menino rico expulso de casa por se envolver com drogas. Mas isso justifica suas ações? Não, mas cria uma conexão entre eles e o público, uma identificação que faz com que nós não queiramos que nada de mal lhes aconteça. Torcemos por Walt e Jesse, mesmo que eles tenham matado a sangue frio um inocente que poderia causar, sem saber, a morte de Walt. Todos temos um pouco de Walt. Nos identificamos com seu antigo trabalho maçante e mal pago, com sua falta de recursos, falta de reconhecimento. Walter passa o seriado inteiro afirmando que faz o que faz pela família. “Quando a gente faz o que faz por bons motivos, não temos com o que nos preocupar, e não há melhor motivo do que a família”. No último capítulo, ele diz: “Fiz o que fiz por mim mesmo. Eu era o melhor, nunca me senti tão vivo.” 

Será que nós, na situação de Walt, agiríamos da mesma maneira? Os fins justificam os meios? Heiddeger afirma que somos seres-para-a-morte. Ou seja, somos finitos, e o enfrentamento com nossa finitude nos causa angústia. Como saber o que se passa na cabeça de alguém como Walt, tendo encarado a morte tão de perto? Essa pergunta me leva ao próximo questionamento:
Quem toma responsabilidade pelo que Walter e Jesse estão fazendo? As circunstâncias do câncer tirariam a culpa de Walt? Por que Walt decidiu continuar depois de estar “curado”?
Segundo Sartre, o homem é responsável por aquilo que faz de si mesmo. “É um projeto que se vive a si mesmo subjetivamente”. Isso implica uma extrema responsabilidade individual. Somos completamente responsáveis pelos nossos atos, até mesmo na mais difícil circunstância. Temos sempre a liberdade de escolher como agir e reagir ao mundo que nos cerca. Para exaltar essa questão, Walt tinha, no início da primeira temporada, a possibilidade de aceitar que um amigo pagasse seu tratamento contra o câncer. Apesar de uma rivalidade antiga entre os dois, Walter tinha a opção de não fabricar metanfetamina. Para o existencialismo, Walter é completamente responsável por ter entrado e continuado no mundo do crime, não importando se suas justificativas são comoventes ou não. O homem, segundo o existencialismo, está constantemente se projetando e se superando, numa relação de transcendência quanto aos seus objetivos. Walt fez a escolha de começar e depois escolheu continuar. Se fizermos uma classificação maniqueísta, seria ele uma pessoa boa ou ruim? Ou seria ele uma pessoa boa que ficou ruim? Somos aquilo que fazemos, nossos atos nos definem... talvez, segundo o existencialismo, Walt não seja diferente dos bandidos do cartel mexicano, ou de Gustavo, o chefão do esquema de produção e distribuição de metanfetamina nos Estados Unidos.

Em uma entrevista a um programa de televisão, o criador da série, Vince Gilligan, disse que a intenção era que o público acompanhasse a transformação de Walt, de homem “bom” a scarface. O pano de fundo da história é uma forte metáfora: química, a ciência da mudança. E essa transformação do personagem é belamente executada ao longo do seriado. Será que alguém que encara a morte e a violência todos os dias acaba se tornando imune ao horror? A primeira decisão macabra de Walt ocorre quando ele assiste a alguém morrer sem tentar salvar a vida da vítima. Aos poucos, Walt começa a comandar assassinatos, sempre com suas racionalizações de por que os crimes tinham de ser cometidos. No entanto, na minha opinião, pode-se fazer uma relação entre esse tipo de justificativa e o conceito de banalidade do mal, de Hannah Arendt. A banalidade do mal, segundo a filósofa, não significa que estamos acostumados ao mal e ele se torna banal. Significa que se procurarmos razões bem justificadas para o mal, não as encontramos. E é isso que deixa Jesse, no final da série, maluco com a culpa que sente por todos os crimes praticados em nome do “negócio” e para “salvar” a vida dele e a de Walt.  
Breaking Bad é sem sombra de dúvidas uma das séries mais bem escritas dos últimos tempos. Cada episódio rende uma redação, seja sobre o aspecto psicológico dos personagens, a filosofia por trás da história ou o roteiro genial de suspense que dá vida à trama. Vale a pena assistir aos 63 episódios. Para quem gosta do gênero, dificilmente encontraremos um programa tão bem bolado. É viciante desde a primeira cena.

-Anita Morgensztern-

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

À espera do futuro




O ser humano tem algumas inclinações naturais. Podemos falar de uma natureza humana? Não sabemos ao certo, é um problema que permeia o diálogo filosófico desde a era pré-socrática. Mas podemos, sim, dizer que experimentamos a vida como seres humanos, e que nós, em geral, temos algumas características que nos fazem humanos.

Kant afirmou que o homem tem uma inclinação natural à metafísica. Isso quer dizer que sempre buscamos algo a mais, uma explicação além do material, uma estrutura para entendermos a nós mesmos e ao mundo que nos cerca. Essa busca também pode ser interpretada como uma busca por um sentido, por um propósito. Por que trabalhamos? Por que fizemos as escolhas que fizemos? Por que existimos onde existimos? O ser humano é a única criatura capaz de questionar a própria existência e de não se sentir completo sem que haja um sentido para ela.

Segue-se dessas características que o homem está sempre querendo prever o que vai lhe acontecer. Não seria talvez por querer se sentir seguro, por ter medo do desconhecido? Penso que não é só isso. Querer saber do futuro faz parte da nossa característica humana de buscar um sentido para a vida em geral e para a nossa vida em particular. Quem está perdido, quem não encontrou seu caminho, quem vive uma decepção ou algum tipo de prisão, se consola e se conforta em tentar “solidificar” o futuro, querer estabelecer como serão os próximos anos. Já a reificação negativa, esperar que aconteça o pior e se conformar com isso de antemão, talvez seja uma defesa da pessoa que está cansada de sofrer, que não quer mais se decepcionar. Pensando assim, o que vier e for diferente do previsto é lucro.

O que seria, então, ideal sobre as nossas expectativas com relação ao futuro? Gosto do caminho da virtude de Aristóteles, o caminho do meio (ou o equilíbrio das filosofias chinesas).  Não é bom pensar demais e nem pensar de menos sobre o futuro. Não precisamos reificar de maneira positiva demais e nem de maneira negativa demais. Ou quiçá o melhor a fazer seja seguir o conselho de Nietzsche: “Aprecio a ignorância com relação ao futuro, não quero morrer de impaciência ou alegria antecipada à espera das coisas prometidas.”

-Anita Morgensztern


quinta-feira, 29 de agosto de 2013

O sentido da vida (trecho de Viktor Frankl)


"Chegamos ao terceiro princípio básico: após discutir o livre-arbítrio e a vontade de sentido, o sentido em si é agora o problema. Bem, nenhum logoterapeuta “prescreve” um sentido, mas pode muito bem “descrevê-lo”. Quero dizer que pode fazê-lo de maneira puramente descritiva, apenas descrevendo o modo como o homem realmente existe, ou de forma fenomenológica, ampliando o campo visual do paciente com relação a sentidos e valores, tornando-os aparentes, por assim dizer. No caminho de uma percepção crescente, finalmente pode-se perceber que a vida não deixa de guardar e ter um sentido até o último momento. Isto porque, como nos permite uma análise fenomenológica, não apenas o homem encontra sentido em sua vida por meio de suas ações, seus trabalhos e sua criatividade, como também por meio de suas experiências, do encontro com o que é verdadeiro, bom e belo no mundo. E por último, mas não menos importante, por meio de seu encontro com o Outro, um ser humano em sua singularidade. Compreender outra pessoa em sua singularidade significa amá-la; mas mesmo em uma situação na qual o homem não dispõe de criatividade e receptividade, ele ainda assim pode cumprir um sentido em sua vida, pois justamente ao encarar tal destino, quando confrontado com uma situação impossível – exatamente então lhe é dada a oportunidade de realizar um sentido; não apenas isto, como também de compreender o mais alto valor, até o mais profundo sentido do sofrimento. Não é preciso dizer que o sofrimento só pode ser significativo se a situação for imutável – caso contrário não estaríamos lidando com heroísmo, mas sim com masoquismo."

-Trecho de um ensaio de Viktor Frankl traduzido por mim


-Anita Morgensztern-

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Nota sobre a transvaloração de todos os valores



A transvaloração é uma questão ética complicada. O Ethos pode ser encarado como um movimento circular, em que há a cultura e os valores passados como herança, mantidos pelas novas gerações que, além de os manter também os questionam, o que provoca mudanças que serão depois passadas como herança, iniciando-se outro ciclo de propagação, manutenção e mudança do ethos. Nós sabemos que os valores culturais têm mudado muito de geração em geração, mas uma transvaloração de todos os valores me parece uma vontade de mudança muito abrupta no ciclo natural que as culturas seguem. No entanto, acho que ela já está ocorrendo, gradualmente, em certos sentidos. Entendo essa transvaloração como um guia teleológico de como devemos nos ver em relação à vida. Me parece mais uma mudança de atitude, que, claro, envolve valores enraizados na cultura ocidental há milênios.  Para Nietzsche, o homem moderno perdeu o contato consigo mesmo, com seus instintos, com a vida em si, valorizando atributos de fraqueza, “coitadice”, transformando instintos naturais em fonte de sofrimento, medo, enaltecendo a martírio, o castigo, a purificação. É essa mudança “mental” que, segundo entendo, precisamos fazer para não nos esquecermos da vida e para que sejamos senhores de nós mesmos.  

-Anita-

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Nietzche

“São para mim desagradáveis as pessoas nas quais todo pendor natural se transforma em doença, em algo deformante e ignominioso – elas nos induziram a crer que os pendores e impulsos do ser humano são maus; elas são a causa de  nossa grande injustiça para com nossa natureza.”

sábado, 10 de agosto de 2013

A metafísica do Admirável Mundo Novo



O livro O admirável mundo novo conta uma história de ficção científica em que a sociedade se divide em classes sociais pré-estabelecidas geneticamente. A engenharia genética é tão extrema que as pessoas já nascem predispostas a gostar das determinações de seu grupo social. Isso além do extremo condicionamento por que passam as crianças e os jovens, para que não queiram nunca reivindicar nada além do que lhes é permitido dentro de sua “casta”. Quem nasce para trabalhar nas fábricas é modificado geneticamente para ser incapaz e condicionado a gostar de suas tarefas. A droga “soma” traz o alívio e a felicidade alienantes de que as pessoas precisam para não pensar profundamente na vida e nas bases constitutivas da sociedade.

Há inúmeras leituras possíveis desta grande obra. Podemos discutir as consequências e a ética da engenharia genética, da manipulação de embriões, do condicionamento por que passamos por meio da mídia e da cultura, da estrutura social em que vivemos e das nossas fugas da realidade. No entanto, quero discutir o aspecto metafísico da concepção de ser humano que a obra traz.

O que é o ser humano? Existe uma essência humana? Há vários posicionamentos sobre essas perguntas. Segundo Platão, o ser humano, assim como todas as outras classes de seres, tem uma essência que lhe dá a “forma” de ser humano. Essa essência existiria no Mundo das Ideias, antes de a pessoa nascer. O demiurgo (espécie de deus/organizador platônico dos entes) daria forma à matéria através da contemplação desses arquétipos/essências. Já o existencialismo afirma que “a existência precede a essência”, ou seja, somos nós que escolhemos o que queremos ser, como reagimos ao mundo à nossa volta. O passado não nos determina: sempre posso mudar e o futuro está em aberto. Não existe uma essência humana; nós nos construímos a nós mesmos. Em semelhança à teoria de Platão, as principais religiões monoteístas defendem a ideia de que temos um destino – tudo é providência divina. E o que o mundo geneticamente predeterminado de Aldous Huxley quer criticar nesse aspecto?

O ideal de manipulação das massas é que as pessoas tenham essências pré-determinadas e que seu condicionamento as leve a crer que estão tendo a melhor vida possível. Levando esse conceito ao máximo, Huxley problematiza a nossa ideia do que nos forma. Engenharia genética + condicionamento equivale, hoje em dia, às nossas características e inclinações inatas + condicionamento religioso/midiático/cultural.  Temos uma essência determinada ou podemos mudar? Na obra de Huxley, há uma ilha destinada a quem questiona demais e não se adapta à ideologia da sociedade no Mundo Novo. A intenção dos “soberanos” é que as pessoas sejam determinadas a cumprir seus papeis de modo a não alterar a estrutura da sociedade. O mundo é dado assim como é - e é bom. E o que fazer com quem se destaca e pensa por conta própria? São mandados para uma ilha para não contaminar os outros. O ser humano é um animal social, como disse Aristóteles. O poder de uma ideia, de um questionamento, de uma semente diferente da que é sempre plantada em nossa mente pode levar a modificações no ethos de uma cultura.

O que concluir da tremenda ilustração que a história de Huxley nos traz? A minha interpretação tem um viés mais existencialista. Penso que, apesar de que nascemos com algumas características e em determinada cultura e família (o que Sartre chama de facticidade), nós somos livres para construir nossa própria existência e para escolher como reagir ao que nos acontece. Os homens do Admirável Mundo Novo nascem quase que completamente determinados e crescem condicionados, mas, mesmo assim, alguns conseguem se libertar das garras da sociedade em que vivem. Nós temos o mesmo “poder”. Não é fácil, mas é possível que cada um de nós crie para si um admirável mundo novo.

Aqui vai o link para uma ótima análise do livro, do amigo Alfredo Carneiro: http://www.netmundi.org/pensamentos/2013/01/3502/


-Anita Morgensztern-

Nietzsche


sexta-feira, 9 de agosto de 2013

As éticas consequencialistas


   

   As éticas consequencialistas, como o utilitarismo, são sistemas teleológicos, ou seja, têm o fim como norteador de nossas ações. O que devemos considerar, como sujeitos morais, antes de agir são as consequências provocadas por nossas ações. Para isso, usando como exemplo a ética utilitarista, temos que estabelecer qual bem maior o homem precisa alcançar. Para o hedonismo, esse bem era o prazer. Para as éticas consequencialistas mais contemporâneas, esse bem é a felicidade. Estabelecido esse valor, o homem deveria tentar maximizá-lo e estabelecer seus objetivos em torno dessa supervalorização. Por exemplo, se priorizamos uma vida de bem-estar como uma vida feliz, em geral, nossas ações devem estar de acordo com a maximização desse bem-estar. Conforme essa teoria, se aplicada à nossa vida atual, as nossas escolhas de trabalho, companheiros, educação dos filhos etc devem estar voltadas ao alcance dessa felicidade - que, é preciso notar, deve ser a felicidade do maior número de pessoas afetadas pela ação. Portanto, se tenho um “problema moral” com minha família, precisaria pensar na escolha que tentasse beneficiar a todos. Por exemplo, se recebo uma oferta de emprego que me traria muito dinheiro e conforto para os meus filhos mas não me proporcionaria muito tempo para cuidar deles, precisaria levar em conta qual decisão nos faria a todos mais felizes, qual consequência se encaixaria melhor nesse objetivo.

Numa primeira análise pode parecer que as éticas consequencialistas são egoístas mesmo. Promover a felicidade (ou prazer, ou bem-estar) como valor supremo, o bem em si, pode ser considerada uma característica que visa à exaltação do indivíduo e seus desejos pessoais. Fica parecendo que devemos pensar “se isso me faz feliz, tenho a obrigação de fazê-lo”.
Ocorre que uma das três ideias principais das éticas consequencialistas é a maximização do valor. Quanto mais desse valor mais alto tivermos no mundo, melhor. Ou seja, minhas ações não visam apenas a minha felicidade pessoal; o meu dever como agente moral é agir de modo que a minha ação leve a felicidade ao maior número de pessoas afetadas por ela. Outra característica do utilitarismo é a prevenção ou diminuição da infelicidade, o que, se levado também à maximização, denota uma preocupação com o bem-estar social geral.  Acho que isso indica sim um certo altruísmo, ou ao menos tira essa impressão inicial de egoísmo e individualismo que as éticas consequencialistas podem nos passar.

A crítica pode ser com relação ao famoso “os fins justificam os meios”. Mesmo que para promover “a felicidade geral na nação”, ter como guia de uma ação apenas as suas consequências pode levar o homem a desconsiderar completamente os meios de que precisa para atingir seu ideal.

-Anita-

quinta-feira, 8 de agosto de 2013

:)


A visão pragmática da educação



Espírito de abertura: A visão pragmática da educação considera os aspectos funcionais dos elementos que compõem o processo de ensino e suas utilidades e consequências com relação aos objetivos desejados. O espírito de abertura, dentro desse contexto, significa o estudo de várias ideias e crenças para a análise de suas consequências na educação. No pragmatismo, não há a adoção de uma crença como verdadeira em si mesma, e isso permite uma abertura para que os métodos e suas utilidades sejam analisados formando uma visão pluralista de educação, que é vista como uma realidade social associada a diversos interesses.

Condição orgânica do ser humano: É como uma concepção holística que leva em consideração todos os aspectos constitutivos do homem no processo de educação. Temos várias facetas, somos formados tanto por impulsos e desejos quanto por razão, ideias e interesses. O pragmatismo leva tudo isso em consideração para analisar as crenças formadas a partir da nossa “identidade pessoal”, o que, para a educação, envolve investigar as consequências dessas crenças.


Responsabilidade da comunidade de investigação em determinar o significado da realidade: O significado da realidade na concepção pragmatista é analisar as consequências das crenças da sociedade e como elas estão relacionadas com os objetivos pretendidos pelas várias instituições sociais. No caso da educação, a reflexão crítica sobre as realidades institucionais que a constituem podem contribuir para a mudança de fatores que possam não estar de acordo com os objetivos e com as concepções que temos de formação, aprendizagem, desenvolvimento etc. É através do conhecimento crítico da realidade que podemos caracterizar, no caso da educação, seu significado, suas consequências, suas utilidades. Tudo isso levando-se em consideração o contexto cultural em que a educação ocorre.

-Anita-

O processo educacional e a mente aberta



A preocupação com a educação como processo de formação do ser humano cidadão existe há muito tempo, e pode ser encontrada nos escritos de Platão e de Aristóteles. Os elementos constitutivos do processo educacional dependem da concepção antropológica que a sociedade tem, da noção de qual é a natureza do homem. Platão defendia que a educação deveria se acomodar aos tipos psicológicos existentes de ser humano, que por sua vez eram descritos de acordo com o papel que cada um teria na sociedade ideal.

Para Aristóteles, o homem, como “animal político”, precisa de certas características para viver da melhor maneira possível em sociedade. O alcance dessas “virtudes cívicas” se dá pela formação educacional de cidadãos virtuosos.
Platão e Aristóteles nos fazem ver como o processo educacional já era considerado importante desde a antiguidade. O homem pode até ser um ser naturalmente social, mas precisa adquirir as “virtudes” necessárias para poder participar ativamente da comunidade em que vive.

Quanto aos regimes autoritários, eles impedem o pensamento crítico e a mente aberta. A principal liberdade que um governo autoritário restringe é a liberdade de pensamento. Me lembrei do livro 1984 (George Orwell), que conta a história de uma sociedade totalmente dominada pelo partido governante. O medo de reação por parte do governo é tal que há câmeras até na casa das pessoas. O Big Brother precisa controlar o pensamento das pessoas para que possa continuar eternamente no poder. A doutrinação, no livro, está em todas as atividades públicas, principalmente na educação. É um exemplo fictício e extremo, mas que nos mostra com detalhes muitas vezes chocantes (porque os vemos, em menor escala, no “mundo real” de hoje) como a restrição do pensamento chega à restrição da cidadania e pode manter um regime totalitário.


Ao longo da história, muitas pessoas que se enquadravam em categorias de “não-cidadãos” foram conseguindo ter seus direitos igualados aos dos demais, como o direito de voto para mulheres e negros. Atualmente, pelo menos aqui nos EUA é um assunto que tem provocado bastante debate, temos a questão do casamento gay. Por que eles não têm os mesmos direitos que os outros cidadãos? Sem direito a se casar, como ocorre em alguns estados daqui, um casal gay não fica protegido pelas mesmas leis que vigoram para casais héteros, como direito a pensão, divisão de bens, herança etc. Não são todos iguais perante a lei? Acho que essa é uma questão de cidadania que precisa se discutida com reflexão crítica e mente aberta pelo povo e principalmente por seus representantes, que podem modificar a lei. O combate ao preconceito cultural, religioso e racial se inclui dentro das preocupações pluralistas de uma educação para a cidadania. É de extrema importância para uma democracia o processo educacional que se preocupa em formar cidadãos que compreendam a diversidade e saibam justificar racionalmente as mudanças que julgam necessárias para a sociedade.

-Anita-

O alerta de Platão


Platão fez um alerta para a posteridade, alerta esse que parece uma profecia que previu o comportamento dos muitos que tiveram contato com sua filosofia, tanto seus admiradores quanto seus críticos.
O mundo das ideias é o tema principal que norteia a filosofia de Platão(427 a.C – 348 a.C ). Este filósofo grego, discípulo de Sócrates, tenta nos dizer que este mundo é apenas uma sombra do mundo real, e que a origem deste mundo está em outro mundo, o mundo das ideias perfeitas.
Os filósofos da natureza, também chamados de pré-socráticos, anteriores a Platão e Sócrates, se perguntavam qual a origem e o princípio das coisas. Mas suas investigações encontraram esse princípio somente no mundo físico. Tales de Mileto disse que era a água, Heráclito de Éfeso disse que era o fogo, os pitagóricos disseram que era o uno, mas sem indicar nada de transcendente. Platão, por sua vez, surge com algo original: a origem deste mundo é o mundo das ideias, um mundo transcendente e espiritual.
No entanto, desde a antiguidade, seu pensamento sofreu inúmeras interpretações e comentários da tradição filosófica. Platão não se deixa captar facilmente, sua filosofia parece impregnada de sutilezas e temas transcendentais. Pela primeira vez no pensamento ocidental um grande filósofo diz que a origem de tudo pode não estar neste mundo físico e imperfeito. O filósofo britânico Alfred North Whitehead chegou a afirmar que “o modo mais seguro de se caracterizar a tradição filosófica européia é afirmar que ela consiste numa série de notas de rodapé a Platão”.
Mas o próprio Platão faz um alerta para a posteridade, alerta esse que parece uma profecia que previu o comportamento dos muitos que tiveram contato com sua filosofia, tanto seus admiradores quanto seus críticos. Ele nos diz em sua Sétima Carta:
“Não creio que um tratado escrito e uma comunicação sobre esses temas sejam um benefício para os homens, a não ser para aqueles capazes de encontrar a verdade por si mesmos, com poucas indicações que lhes forem dadas, enquanto os outros se encheriam, alguns de um desprezo injusto e inconveniente, outros, ao contrário, de uma soberba vazia, falsamente convencidos de ter aprendido coisas magníficas”.
-Alfredo Carneiro-

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Erro construtivo



Não há um consenso sobre a definição exata do que seja a inteligência, mas há pontos comuns considerados por muitos estudiosos do assunto. A capacidade de relacionar conhecimentos e de usar essa relação para resolver problemas é um deles. Essa definição me chamou a atenção porque acabei estudar sobre o erro construtivo. O erro construtivo é o resultado da aplicação de uma hipótese para testar a solução de um problema. Ora, para que o aluno seja capaz de “cometer” erros assim, é preciso que desenvolva esse aspecto da inteligência de relacionar o que aprende e aplicar na prática o conhecimento adquirido. O erro faz parte do processo de aprendizagem e pode ser encarado como demonstração do uso da inteligência para a construção do conhecimento significativo. 

-Anita-

Edgar Morin e a educação



A visão de educação de Edgar Morin reflete o recorrente tema da globalização. A educação, para ele, precisa refletir a “era planetária”, ou seja, a relação e a influência que as pessoas, os países e todas as coisas têm entre si. O ponto principal não é transformar todas as disciplinas em uma só, mas sim fazer com que elas se comuniquem sem perder as suas particularidades. Se o professor consegue colocar na aula um pouco de outras disciplinas, forma o complexo, o tecido que liga as informações. E além do benefício da construção de um conhecimento mais completo, essa interdisciplinaridade pode despertar a curiosidade do aluno, fazendo com que ele fique mais motivado a aprender. Eu acharia as aulas de física muito mais interessantes se soubesse um pouco da história da matéria ou se pudesse ter feito mais experimentos em sala de aula. Os alunos não são todos iguais. Mesmo que estejam submetidos aos mesmos métodos de ensino, cada um tem características particulares e únicas. Enquanto um aluno pode se interessar por física teórica sem precisar de outros recursos, outro pode perder completamente o interesse se não tiver uma “ajuda” de outras disciplinas.

O papel da construção do conhecimento de modo completo e abrangente, para Morin, é fundamental e vai além da escola. Precisamos conhecer o pensamento complexo, a era planetária, para saber quem somos e para onde caminha a humanidade.

-Anita-

Nietzsche: dimensões humanas e além do homem


O homem deve se libertar dos esquemas de dominação criados, de forma conjunta, por grupos religiosos, políticos e econômicos e criar sua própria representação da realidade. Essa é uma das ideias centrais de Nietzsche: o super-homem ou além do homem.
Nietzsche afirma que o ser humano tem duas dimensões: a apolínea e a dionisíaca. A dimensão apolínea são nossas funções racionais voltadas para a criação de representações que têm por objetivo a praticidade, o compromisso com a realidade, enquanto que a dionisíaca cria representações sem compromisso com a realidade, na forma de imaginação,  mitos e sonhos.  Essas duas dimensões complementam o homem, e Nietzsche aponta para o erro dos valores da sociedade europeia (que foram transmitidos para as Américas) que tentam controlar estas  funções com o excesso de racionalização e imposição de  representações religiosas,  ideias partidárias e esquemas econômicos. Para Nietzsche, o homem deve ser livre para criar suas próprias representações e não mais adotar as representações limitantes impostas por esses esquemas. Aquele que consegue ser livre e viver sua vida de acordo com suas próprias representações, criadas por sua vontade, estaria além do bem e do mal  e seria um novo homem dentro de uma nova realidade. Este seria o super-homem, uma das ideias centrais de Nietzsche,  que alguns filósofos preferem traduzir do alemão Übermensch como além do homem.
-Alfredo Carneiro-

Palestra animada sobre educação infantil


Assisti a um vídeo ontem do famoso educador inglês Sir Ken Robinson sobre o paradigma da educação. Ele explica, ao final do vídeo, o que é o “pensamento divergente”, isto é, a capacidade de se pensar em várias soluções para um problema. Foi feito um teste com crianças em que se utilizou uma escala para medir o “grau” do pensamento divergente baseado no número de soluções que cada criança encontrava para as questões propostas. Entre as crianças testadas no jardim de infância, 98% atingiram o grau de gênio. As mesmas crianças realizaram o teste cinco anos depois e mais uma vez três anos depois. Ele não dá a porcentagem, mas diz que o número de crianças que atingem o grau de “gênio” vai caindo drasticamente à medida que elas vão crescendo. Segundo o palestrante, o estudo mostra que todos temos a mesma capacidade e que ela diminui. O que acontece durante a infância para que isso ocorra? Robinson diz que o modelo de educação ensina às crianças que há uma única resposta, que está no final do livro. Ou seja, a capacidade criativa inata que a criança usa no começo da infância para construir sua aprendizagem, para conhecer o mundo e para passar da associação do significante para o significado não está sendo muito bem trabalhada pela maioria das escolas, principalmente quando as crianças já estão chegando perto da adolescência. Robinson defende que precisamos modificar a estrutura do sistema educacional e pensar melhor na capacidade cognitiva humana.

-Anita-

Aprendizagem



- “Nós apenas respondemos a estímulos externos no processo de aprendizagem, ou aprendemos de acordo com nossas experiências e com os conhecimentos que adquirimos ao longo de nossa vida?”

Os estímulos externos e as nossas respostas a eles são o que os behavioristas consideram ao analisar o comportamento humano. O behaviorismo não tenta analisar o que vai além dessas respostas. Parece, então, que o homem é produto apenas de repetições e imitações. Acho que repetir e imitar fazem parte do desenvolvimento natural das crianças, mas não é só isso. Concordo com o construtivismo e com o interacionismo; aprendemos com as experiências, somos sujeitos ativos na troca de significados que gera conhecimento.


O meio influencia bastante o aprendizado. O que eu pude concluir do estudo dessas teorias é que há uma espécie de equilíbrio de forças em nosso desenvolvimento. Há uma relação dialética entre o “eu” e o meio externo que nos proporciona a interação com os objetos de conhecimento. Temos “de um lado” nossa formação biológica, nossas capacidades cognitivas, nossa personalidade, emoções, história de vida. Tudo isso forma uma identidade pessoal que interage com o mundo e com as outras pessoas - família, professores, escola, colegas, situações-problema, objetos de conhecimento etc.

É interessante compararmos as teorias e as diferentes abordagens sobre esse mesmo objeto de estudo que é o desenvolvimento e a aprendizagem. Eu ainda me confundo um pouco com algumas teorias, como a construtivista e a sócio-interacionista. A aprendizagem, como qualquer outro fenômeno, é um processo complexo, um sistema que envolve muitas coisas e cada pesquisador o analisa segundo a sua “especialidade”, suas crenças, seu paradigma, mas o objeto de estudo é o mesmo e sempre há algo de válido em todas as abordagens.

O comportamentalismo e sua ênfase na análise do comportamento exterior por meio dos processos de estímulo-resposta, recompensa e punição mostra uma visão mais simplista do ser humano, desconsiderando os complexos processos mentais de aprendizagem e as interações sociais. No entanto, ressalta a importância do comportamento como meio para entendermos a aprendizagem. Piaget, por exemplo, também analisava, ainda que de modo bem diferente, as respostas dadas pelas crianças aos seus problemas (estímulos).
Outra “pista correta” comum às teorias cognitivista, construtivista, interacionista e a da pessoa concreta é que todas consideram o indivíduo como ativo na construção de seu próprio conhecimento.

Esses e outros aspectos são instrumentos importantes para o professor poder intervir da melhor maneira no processo de aprendizagem do aluno.

-Anita- 

Diálogo genuíno

Quanto à passagem “Diz Buber: “O mundo do ISSO é coerente no espaço e no tempo.
O mundo do TU não tem coerência nem no espaço nem no tempo.
Cada TU, após o término do evento da relação deve necessariamente se transformar.”, gostaria de me aprofundar um pouco mais. O que Buber quer dizer que o mundo do Tu não se limita por espaço e tempo? Isso significa que o Tu, o relacionamento conseguido por meio do diálogo genuíno, faz com que seus participantes sintam uma reciprocidade, uma presença mútua e completa, em que eles compartilham a entrega e a responsabilidade do momento presente. É como se não existisse passado nem futuro, tamanha a profundidade da entrega. Kenneth Kramer conta em seu livro, Practicing Living Dialogue, um episódio que lhe foi relatado por uma aluna, que representa essa ausência de limitação espaço-temporal. Jennifer estava no ônibus indo para a escola. Em uma das paradas, uma outra garota desceu e, quando atravessava a rua, um carro a atropelou. Jennifer não era muito próxima dessa garota, mas a via no ônibus todos os dias há anos. Ela conta que não sabe por que, mas descobriu o número de telefone da menina acidentada e ligou para saber se estava tudo bem. Elas conversaram por horas. Ela conta ter sentido que realmente ouviu o que a garota tinha para dizer e ofereceu a ela algo que ninguém havia oferecido. Um interesse autêntico em se colocar à disposição para dialogar. A acidentada, por sua vez, retribuiu e se abriu sobre seus medos com relação ao acidente. Quando desligaram, Jennifer não sabia quanto tempo havia passado e desejava que a conversa não tivesse terminado. É como se o evento se elevasse a um plano atemporal.


É claro que este é um exemplo mais banal, não relacionado à violência, mas que ilustra como o relacionamento Eu-Tu é mútuo e pode ser alcançado pelo engajamento dos participantes em verdadeiramente ouvir e reconhecer o outro.

Outro ponto interessante é o contraste do Eu-Tu com o Eu-isto. Os dois tipos de relacionamento são fenomenológicos, ou seja, segundo Buber, a nossa percepção do mundo é que é dual, e não o mundo em si. A atitude do Eu é que determina o tipo de relação que vamos ter com os outros. Ademais, Buber defende que os dois tipos relacionamento são necessários e, idealmente, a pessoa vive alternando entre Eu-Tu e Eu-isto. Não é possível nos entregarmos completamente a todos que encontramos. Nas relações Eu-isto, as pessoas não investem toda a sua atenção no outro, que passa a ser usado, conhecido e sentido pelo sujeito. É uma relação de controle. O Eu controla o começo, o meio e o fim do diálogo. Exemplos desse tipo de relação são professor/aluno, terapeuta/cliente, líder religioso/fiel. Até mesmo quando nos lembramos de um acontecimento Eu-Tu, ele se torna Eu-isto, já que, segundo Buber, a mente não consegue descrever o diálogo genuíno porque o reduz a uma ideia do evento, distante do tempo em que ocorreu. Na descrição de um evento Eu-Tu, quando ele se torna Eu-isto, não há a presença de outo ponto fundamental do pensamento de Buber: o inter-humano, o “campo do meio” que se cria e que é maior que a soma dos participantes dialógicos. É como uma região interativa entre as pessoas, a mutualidade comum dos participantes mas que vai além de cada um. Esse campo do meio, conseguido apenas com o verdadeiro diálogo, seria a “realidade mais real” da existência humana.

-Anita-

O Uno-Bem platônico



O Uno-Bem seria como o sol, que nos dá a luz e permite a vida de muitas maneiras, mas não é a própria gênese. É pela contemplação do Uno-Bem que o Demiurgo daria a essência aos seres. O Uno então permitiria a estruturação e delimitação da matéria sem ser o seu gerador propriamente dito, estando para além dos gêneros supremos (ser, repouso, movimento, mesmo e outro).
-Anita-

Relativismo: para pensar um pouco



A que situações é que relativismo prescritivo se aplica realmente? Que diferença fará na prática? Supõe que o relativista afirma que nós não podemos discutir com os canibais sobre o canibalismo. Mas com que frequência discutimos com canibais? A maior parte das nossas discussões é feita com pessoas que partilham as nossas ideias. Eu nunca discuti com um canibal, embora o faça constantemente com os meus filhos (cujos hábitos alimentares também têm muito que se lhes diga). Com eles eu posso discutir — eles crescem na nossa cultura, e têm alguma aprendizagem a fazer.
Por outro lado, às vezes pedem-nos para fazermos juízos morais que atravessam diferentes culturas, como, quando os portugueses foram chamados a dar a sua opinião sobre as condutas da Indonésia em relação a Timor Leste. Será correcto exigir isso das pessoas? O que diria o relativista acerca disso? O que pensar da resposta relativista?

terça-feira, 6 de agosto de 2013

A origem e amplitude do mundo das formas em Platão e sua defesa do suprassensível



Sócrates, por meio de sua “filosofia negativa”, refutou as teses dos filósofos da natureza, mostrando que o mundo material não poderia servir como explicação para os princípios dos entes. Platão, por essa via, foi buscar “a verdadeira natureza das coisas” no transcendente, no que pode ser apreendido apenas pelo pensamento. O ser das coisas, portanto, é conferido pelas ideias, realidades supremas, universais, imutáveis e eternas. O mundo das formas abarca todos os seres dos quais os entes sensíveis do mundo material participam. A amplitude desse mundo é enorme, pois a realidade tal qual a conhecemos no mundo sensível seria uma cópia imperfeita do mundo das ideias.

-Anita-

O conceito de imortalidade da alma em Sócrates e seu legado para a metafísica



O conceito de alma para Sócrates tem influências do orfismo (que acreditava ser a alma um ente decaído no corpo) e do pitagorismo, mas é “aprofundado” pelo filósofo.  Sócrates define a alma como algo individualizado, como o próprio “eu” que “se serve do corpo”. Me parece que a alma em Sócrates é um tanto dual. Ela é transcendente e imortal, um ser inteligível que contempla o mundo das ideias antes de descer ao corpo, e, ao mesmo tempo, ela é aquilo que ordena as vontades ao corpo, aquilo que fez Sócrates decidir se render à pena de morte e tomar o veneno. Não sei se posso dizer isso, mas parece um ser transcendente (enquanto habita o mundo das formas) e imanente (enquanto exerce no corpo o papel do que chamamos hoje de mente).


Bom, voltando à pergunta sobre a imortalidade da alma e seu legado, esse conceito abre para a metafísica uma visada do transcendente, do suprassensível, já que a alma seria incorpórea, pensada como divina. É com a alma inteligível que Platão passa a pensar em outros seres além do físico, como a alma, que seriam os princípios e seres de todos os entes. Platão atribuiu às ideias o mesmo estatuto de realidade que Sócrates atribuiu à alma. Se a alma é imortal, ela deve habitar algum lugar antes de descer ao corpo. Deve existir, então, uma “outra realidade” de seres que compartilhem as características da alma.

-Anita-

A existência precede a essência



Trecho de "O existencialismo é um humanisno" - Jean Paul Sartre

“O homem primeiro existe, ou seja, que o homem, antes de mais anda, é o que se lança para um futuro, e o que é consciente de se projetar no futuro. O homem é, antes de mais nada, um projeto que se vive subjetivamente, em vez de ser um creme, qualquer coisa podre ou uma couve-flor; nada existe anteriormente a este projeto; nada há no céu inteligível, o homem será antes mais o que tiver projetado ser. Não o que ele quiser. Porque o que entendemos vulgarmente por querer é uma decisão consciente, e que, para a maior parte de nós, é posterior á aquilo que ele próprio se fez. Posso querer aderir a um partido, escrever um livro, casar-me; tudo isso não é mais do que a manifestação duma escolha mais original, mais espontânea do que o que se chama vontade. Mas se verdadeiramente a existência precede a essência, o homem é responsável por aquilo que é. Assim, o primeiro esforço do existencialismo é o de pôr todo homem no domínio do que ele é e de lhe atribuir a total responsabilidade da sua existência.”

Alexander Supertramp, um mochileiro contra o mundo

Christopher McCandless, (Alexander Supertramp), (1968 - 1992), Mochileiro Americano
Apesar da ingenuidade de Christopher McCandless,  sua história é um profundo reflexo de nosso tempo. É a história de um jovem inteligente e sensível que, como quase todos os jovens de hoje, era impelido a buscar o sucesso financeiro, o prestígio e a aparência. O movimento contemporâneo de transformar nossos jovens em “produtos de sucesso” parece não medir consequências. Tudo é válido para que nos tornemos máquinas eficientes.
Christopher deu a todos o que eles queriam,  formou-se com louvor em prestigiada universidade americana. Depois disso, sem avisar a ninguém, desapareceu.  Saiu vagando pelas estradas dos EUA sobrevivendo de pequenos serviços, lendo livros e fazendo várias amizades graças a sua enorme simpatia. Seu desprezo pelo lógica do consumo excessivo era sua principal motivação, ele não queria fazer parte disso.
Dirigiu-se aos confins do Alasca onde, depois de vários meses vivendo em um ônibus abandonado, morreu de fome devido a erros de planejamento. Seu pensamento final estava escrito em um caderno, encontrado ao lado de seu corpo. “A felicidade só é real quando compartilhada”. No final das contas, era apenas isso que ele buscava: compartilhar sua alegria, sua juventude e seu vigor. A vida é um milagre grande demais para ser desperdiçado com aparências, futilidades e coisas sem sentido, assim pensava Christopher McCandless, que em suas viagens assumiu o codinome de mochileiro “Alexander Supertramp”.
O jornalista Jon Krakauer se interessou pela história de McCandless e resolveu investigar os lugares por onde ele passou, conhecendo as pessoas com quem ele conviveu, que lhe deram abrigo, serviços e principalmente amizade.  Desta pesquisa nasceu o livro Into The Wild, que se tornou umbestseller e estimulou um debate acalorado sobre a vida de McCandless. Enquanto uns concordam que ele era apenas um jovem ingênuo e irresponsável, outros alertam para o protesto que essa aventura representa.
O fim trágico dessa aventura é culpa de todos nós, que aceitamos imposições fúteis sem questioná-las e pressionamos nossos jovens a fazerem o mesmo. Sua  mensagem final é um aviso de alerta para uma sociedade adoecida pela superficialidade.
A aventura de Christopher McCandless inspirou o filme “Into The Wild”.

-Alfredo Carneiro-

Epicuro: A filosofia do prazer

Epicuro, filósofo grego, nietzsche, atenas, filosofia antiga, grécia.
Epicuro desenvolveu uma filosofia baseada no prazer, que é frequentemente confundida com uma busca de prazer desenfrado. A verdade era que sua filosofia pregava a sobriedade, a disciplina, a gentileza e a apreciação dos pequenos e belos momentos da vida.
Epicuro de Samos (341 – 270 a.C) desenvolveu uma belíssima filosofia do prazer. No entanto,  o prazer para Epicuro era o supremo bem a ser a cultivado com moderação e sabedoria, pois nem todo prazer é digno ser ser desejado, como aqueles que depois causam dor e sofrimento.  A privação e a disciplina são coisas valorizadas em sua filosofia, pois proporcionam o prazer de apreciar as coisas simples, belas e suaves da vida. Ele não estava preocupado com outro mundo senão este, e pretendia tornar esta vida possível de ser vivida através da criação de condições para a felicidade plena.  As boas lembranças, cultivadas com a gentileza,  a generosidade e contemplação são também prazeres que tornam a vida feliz.
Epicuro tinha uma ampla propriedade em Atenas, com um belo jardim, onde seus discípulos se reuniam para assistir suas aulas.  A fama deste filósofo, reconhecidamente gentil, generoso e afetuoso como todos que o procuravam, atraiu discípulos de todas as partes em busca de um remédio para os sofrimentos da vida. Na entrada da propriedade estava a seguinte inscrição “Hóspede, aqui serás feliz.”  A filosofia suave e tranquila de Epicuro atravessou os séculos e permanece viva e atual. Nietzsche, em uma de suas obras, o chamou de “esse Deus dos jardins”.

-Alfredo Carneiro-

Wittgenstein, o filósofo que matou a filosofia

200px Ludwig Wittgenstein 1910
Muitos consideram a genialidade de Wittgenstein comparada a de Einstein. Investigou os limites da linguagem e afirmou: "Se queres saber o significado de uma palavra, não procure no dicionário. Pergunte para quem a disse."
A vida do filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein foi tão intensa quanto sua filosofia. Filho de Karl Wittgenstein, na época um dos industriais mais  poderosos da Europa, renegou sua herança milionária, pois tanto dinheiro poderia atrapalhar seus pensamentos.  Era exageradamente honesto, ingênuo, agressivo e apaixonado pela filosofia, tanto que qualquer um que não a valorizasse era solenemente desprezado como alguém de espírito inferior.
Alistou-se como oficial na primeira guerra mundial e participou de várias batalhas, ganhando várias condecorações por bravura.  Recusou o chamado de recuar e abandonar seus soldados e foi feito prisioneiro. Em sua mochila de soldado estava o rascunho de uma das mais importantes obras da filosofia analítica: o Tractatus Lógico Philosophicus. Sobreviveu à guerra e trabalhou com professor de escola primária,  jardineiro e mestre de obras, apesar de já ser reconhecido como um dos maiores filósofos do século XX. Sua irmã Margaret, com a intenção de dar um emprego ao seu “irmão maluco”,  e conhecendo suas assombrosas habilidades em lógica e matemática, o contratou para construir uma casa. Wittgenstein  se dedicou obsessivamente (como de costume) à construção e criou uma casa com estilo modernista anti decorativo que se tornou uma referência da arquitetura moderna.
Com a ajuda de seu mestre, Bertrand Russell, tornou-se professor em Cambridge e travou debates com Alan Turing, um dos maiores matemáticos do século XX e um dos pais da computação.  Durante a segunda guerra, se ofereceu para trabalhar como servente de hospital. Depois da guerra, se dedicou à conclusão do livro Investigações Filosóficas, que é também uma crítica ao seu primeiro livro, pois ninguém poderia superar Wittgenstein, a não ser ele mesmo.  Posteriormente abandonou a vida acadêmica, pois achava que aquela não era a vida de um verdadeiro filósofo.
Enquanto que no Tractatus Lógico Philosophicus ele busca a essência da linguagem,  no Investigações Filosóficas ele afirma que a linguagem varia de significado de acordo com os contextos, não possuindo essência mas apenas “jogos de linguagem”, o que tornaria impossível qualquer busca pela verdade. Ele conclui então que a filosofia não seria mais possível após essa descoberta.  Morreu de câncer aos 62 anos, seu último recado para seus amigos foi: “diga-lhes que tive uma vida feliz”.

-Alfredo Carneiro-

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Einstein

Albert Einstein, físico alemão, pai da teoria da relatividade

Fernando Pessoa


Notas sobre metafísica



Podemos tematizar como metafísica a filosofia que investiga os princípios e causas suprassensíveis (transcendentes, inteligíveis) da existência, como por exemplo a alma, as ideias platônicas (que são princípios transcendentes de determinação da matéria) e Deus (ou a ideia do Uno, do demiurgo...). Os primeiros filósofos, os pré-socráticos (ou mais apropriadamente os “filósofos da natureza”), começaram uma investigação cosmológica baseada em observações e análises racionais sobre a origem e a realidade do mundo. Sua importância, além desse primeiro passo da passagem do mito ao logos, consiste em algumas contribuições para a fundação dos escritos metafísicos por excelência de Platão (Parmênides - a realidade além da aparência, a impossibilidade do não-ser e do movimento. Heráclito – uno/logos/fogo, realidade como eterno devir, entre outros). Portanto, pode-se dizer que as primeiras contribuições surgiram com os filósofos da natureza, mas que essa disciplina como a definimos hoje foi iniciada no pensamento filosófico com os diálogos de Platão.

A metafísica se preocupa com tipos de entes que excedem o sensível porque se propõe a estudar o sentido da existência por meio de princípios que vão além da natureza, uma busca por entes eternos e imutáveis. Esse “tipo de ente” obviamente não pode ser encontrado no mundo sensível do devir. É tarefa da metafísica justificar racionalmente a existência de tais seres que fundamentariam a nossa realidade.


O desenvolvimento da metafísica foi gradual porque os chamados primeiros filósofos - aqueles que começaram a responder com argumentos racionais aos questionamentos sobre a origem do mundo, das coisas e sobre a composição da realidade -  ainda “ficaram na natureza”. A explicação para a composição da realidade estava na physis, sempre em algum elemento da natureza que eles pudessem justificar como sendo o fundamento de todas as coisas. A natureza era explicada por si mesma, como sendo causa e princípio de si mesma. E mesmo que alguns deles tenham buscado elementos não tão “palpáveis”, esses elementos não tinham a característica do suprassensível, aquilo que está além da física. O infinito de Anaximandro, por exemplo, apesar de parecer um ente metafísico, é uma explicação da natureza da matéria. No entanto, alguns desses filósofos contribuíram com problemas que foram retomados por Platão e Aristóteles, sendo redefinidos por eles com respostas fundamentadas em causas suprassensíveis. O problema da identidade na diversidade, por exemplo, foi analisado por Platão, que nos ofereceu o argumento de que há as ideias universais, e que os seres sensíveis e particulares participam dessas ideias, adquirindo assim suas características.


Apesar de o nome “metafísica” ter sido dado aos escritos de Aristóteles sobre sua “filosofia primeira” (e embora Aristóteles tenha sido um dos maiores filósofos da área), foi Platão mesmo que iniciou o tipo de pensamento característico do que hoje conhecemos como metafísica. Afinal, Platão fundamentou todo um sistema em uma realidade completamente inteligível e transcendente que seria “mais real”  que o mundo sensível, demonstrando racionalmente a existência de entes completamente abstratos (não sei se essa é uma boa palavra), as ideias universais, além de propor a existência do demiurgo (o questionamento sobre um ser suprassensível que tenha de alguma forma dado origem ao mundo material é uma das características da metafísica assumidas pela tradição filosófica). 
-Anita Morgensztern-

O julgamento de Sócrates

Apologia de socrates, atenas, defesa de socrates
Ao receber a sentença de morte, Sócrates declarou: "Já é hora de partir, eu para morrer e vocês, para viver. Quem vai para melhor sorte, isso é segredo, exceto para Deus."
O livro Apologia de Sócrates, de Platão, é um relato da defesa de Sócrates perante o tribunal de Atenas. Ele era acusado de não aceitar os deuses da cidade, introduzir novos deuses e corromper a juventude.  A acusação foi feita por Anito, Meleto e Licon, representantes das classes dos políticos, poetas e oradores da cidade.  Sócrates refutou cada uma dessas acusações e mostrou que seus acusadores  não sabiam o que estavam falando.  Mesmo assim, Sócrates foi condenado à morte pelos representantes da democracia Ateniense. Este evento aconteceu por volta de 400 a.C.
Durante o julgamento, Sócrates manteve sua dignidade e tranquilidade, dizendo que aceitaria a condenação à morte, mas, caso vivesse, não deixaria de fazer o que sempre fez: buscar a verdade e destruir a ilusão daqueles que se achavam sábios.  Para ele, calar a filosofia era calar a própria vida. Por conta disso, Sócrates foi condenado a beber um veneno chamado cicuta, pois a maioria dos jurados eram desafetos que outrora foram incomodados ou desmascarados por ele.
Apologia de Sócrates é uma das mais belas obras filosóficas da antiguidade, e relata a grandeza de um sábio que enfrenta a morte com serenidade. Durante todo o julgamento, fica claro que Sócrates não está realmente preocupado com sua defesa ou sua vida, mas apenas com a verdade. Ele já sabia que iria morrer, pois sua voz interior, que sempre lhe acompanhou, se calou no dia que ele saiu de sua casa para o julgamento, e isso significava que sua missão chegara ao fim. Ao receber a sentença de morte, Sócrates declarou: “Já é hora de partir, eu para morrer e vocês, para viver. Quem vai para melhor sorte, isso é segredo, exceto para Deus.” Depois da sua morte, seu discípulo Platão condenou a democracia, pois esse julgamento lhe mostrou que ela – a democracia –  poderia calar a verdade tanto quanto a tirania.

-Alfredo Carneiro-