O seriado Americano Breaking Bad é viciante. Tão viciante
quanto a metanfetamina produzida pelos personagens principais, Walter White e
Jesse Pinkman.
A história é a
seguinte: Walter White, professor de química, descobre que tem câncer de pulmão
e pouco tempo de vida. Para pagar seu tratamento e deixar a família em boas
condições após sua morte, ele decide usar seus conhecimentos para “cozinhar”
uma das drogas mais destrutivas que existem: metanfetamina. A metanfetamina é produzida em
laboratório e é necessário alguém que entenda do assunto para que se faça um
produto puro. Walter é o que pode se chamar de iron-chef nessa área – consegue fabricar a droga mais pura do mundo.
O problema é que Walter
entra em um mundo de tráfico, cartel, territórios demarcados e disputas, em que
a vida humana não tem mais valor que o mercado das drogas. Ao longo do seriado,
Walt se vê em situações de extremo risco, e decisões éticas começam a fazer
parte de seu dia-a-dia. No início, as situações são predominantemente de
defesa. É matar ou morrer. Até aqui “tudo bem”. Ocorre que Walt e Jesse vão se
envolvendo cada vez mais a fundo. Walt se cura do câncer, tem dinheiro
suficiente para viver bem o resto da vida, mas decide continuar no negócio. Por
quê? Orgulho? Ganância? Reconhecimento de sua genialidade como o fabricante da
única metanfetamina com 99% de pureza? É o que vamos descobrindo nesse
personagem, que, como todos nós, tem muitas “camadas” subjetivas a serem
reveladas. Esse seriado provoca alguns questionamentos:
Por que Walter e Jesse
seriam diferentes dos outros traficantes e assassinos?
O que faz com que o
público simpatize e torça por esses personagens? Afinal, eles não comercializam
drogas e cometem assassinatos? Penso que talvez seja por eles demonstrarem
sentimento, o “outro lado” que todo (ou quase todo) ser humano tem. Por mais
que estejam participando e alimentando um mercado violento, ilegal e
prejudicial a muita gente, Walt é um pai amoroso e faz o que pode para proteger
a família. O personagem mostra os extremos que, em um certo nível, todos
compartilhamos; ele é capaz de matar um inimigo, ir para a casa e pegar
carinhosamente a filha bebê no colo. Já seu parceiro Jesse tem uma história de
vício. Era o pobre menino rico expulso de casa por se envolver com drogas. Mas
isso justifica suas ações? Não, mas cria uma conexão entre eles e o público,
uma identificação que faz com que nós não queiramos que nada de mal lhes
aconteça. Torcemos por Walt e Jesse, mesmo que eles tenham matado a sangue frio
um inocente que poderia causar, sem saber, a morte de Walt. Todos temos um
pouco de Walt. Nos identificamos com seu antigo trabalho maçante e mal pago,
com sua falta de recursos, falta de reconhecimento. Walter passa o seriado
inteiro afirmando que faz o que faz pela família. “Quando a gente faz o que faz
por bons motivos, não temos com o que nos preocupar, e não há melhor motivo do
que a família”. No último capítulo, ele diz: “Fiz o que fiz por mim mesmo. Eu
era o melhor, nunca me senti tão vivo.”
Será que nós, na
situação de Walt, agiríamos da mesma maneira? Os fins justificam os meios? Heiddeger
afirma que somos seres-para-a-morte. Ou seja, somos finitos, e o enfrentamento
com nossa finitude nos causa angústia. Como saber o que se passa na cabeça de
alguém como Walt, tendo encarado a morte tão de perto? Essa pergunta me leva ao
próximo questionamento:
Quem toma
responsabilidade pelo que Walter e Jesse estão fazendo? As circunstâncias do
câncer tirariam a culpa de Walt? Por que Walt decidiu continuar depois de estar
“curado”?
Segundo Sartre, o
homem é responsável por aquilo que faz de si mesmo. “É um projeto que se vive a
si mesmo subjetivamente”. Isso implica uma extrema responsabilidade individual.
Somos completamente responsáveis pelos nossos atos, até mesmo na mais difícil
circunstância. Temos sempre a liberdade de escolher como agir e reagir ao mundo
que nos cerca. Para exaltar essa questão, Walt tinha, no início da primeira
temporada, a possibilidade de aceitar que um amigo pagasse seu tratamento
contra o câncer. Apesar de uma rivalidade antiga entre os dois, Walter tinha a
opção de não fabricar metanfetamina. Para o existencialismo, Walter é
completamente responsável por ter entrado e continuado no mundo do crime, não
importando se suas justificativas são comoventes ou não.
O homem, segundo o existencialismo, está constantemente se projetando e se
superando, numa relação de transcendência quanto aos seus objetivos. Walt fez a
escolha de começar e depois escolheu continuar. Se fizermos uma classificação
maniqueísta, seria ele uma pessoa boa ou ruim? Ou seria ele uma pessoa boa que
ficou ruim? Somos aquilo que fazemos, nossos atos nos definem... talvez,
segundo o existencialismo, Walt não seja diferente dos bandidos do cartel
mexicano, ou de Gustavo, o chefão do esquema de produção e distribuição de metanfetamina
nos Estados Unidos.
Em uma entrevista a um
programa de televisão, o criador da série, Vince Gilligan, disse que a intenção
era que o público acompanhasse a transformação de Walt, de homem “bom” a scarface. O pano de fundo da história é
uma forte metáfora: química, a ciência da mudança. E essa transformação do
personagem é belamente executada ao longo do seriado. Será que alguém que
encara a morte e a violência todos os dias acaba se tornando imune ao horror? A
primeira decisão macabra de Walt ocorre quando ele assiste a alguém morrer sem
tentar salvar a vida da vítima. Aos poucos, Walt começa a comandar assassinatos,
sempre com suas racionalizações de por que os crimes tinham de ser cometidos.
No entanto, na minha opinião, pode-se fazer uma relação entre esse tipo de
justificativa e o conceito de banalidade do mal, de Hannah Arendt. A banalidade
do mal, segundo a filósofa, não significa que estamos acostumados ao mal e ele
se torna banal. Significa que se procurarmos razões bem justificadas para o
mal, não as encontramos. E é isso que deixa Jesse, no final da série, maluco
com a culpa que sente por todos os crimes praticados em nome do “negócio” e
para “salvar” a vida dele e a de Walt.
Breaking
Bad
é sem sombra de dúvidas uma das séries mais bem escritas dos últimos tempos.
Cada episódio rende uma redação, seja sobre o aspecto psicológico dos
personagens, a filosofia por trás da história ou o roteiro genial de suspense
que dá vida à trama. Vale a pena assistir aos 63 episódios. Para quem gosta do
gênero, dificilmente encontraremos um programa tão bem bolado. É viciante desde
a primeira cena.
-Anita Morgensztern-